Entrevista com a Negra Jhô

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Penteia Yansã: A Negra Jho do Pelô.

Por: Marccelus Bragg

Cabelo, cabeleira, cabeludo, descabelada…”
…cabelo pode ser tudo e ainda por cima ter um luxo especial. Voce faz dele uma obra de arte se você tiver a sorte de ser penteado pela Valdomira Telma de Jesus – a bela Negra Jhô [Negra Luz no Yorubá].. Terá estilo. O difícil é saber o que fazer no mucumã [cabelo]. Tem mil maneiras de deixá-lo fashion, cabelo rasta com tratamento especial, torços, turbantes, enfeites diversos, miçangas, fios de palha, contas e búzios, tererês, apliques, cortes radicais e tranças estilizadas que se tornam penteados únicos e exclusivos da mestra Jhô. Porém antes de arrumar a cabeça desarme o espírito. O meu conselho é que você se desimbeste dos preconceitos. É tão lindo um look africano não comportado. E chegando na Bahia. Vista a cores da terra e se deixe guiar na Roma Negra pelos seus bons instintos é claro. Para os amargos, complicados e cheios de frescura: Figa neles, Chocotô bororó e mangalô três vezes, fiquem em casa e não apareçam no Pelô por favor. Só queremos paz e alegria. Agora aos de corações abertos. A Bahia os espera. Não tenham pressa, aceitem os sorrisos e as ingênuas intimidades dos soteropolitanos e se joguem no clima da terra. E pra ficar mais bonito [a]porque feio ninguém é – atente que a dona beleza vive nos olhos de quem vê – você já está convidado a conhecer a mulher que faz a cabeça da gente. A deusa do ébano Negra Jhô que cria tendências e estilos no melhor do afro-visual in. E pra não deixar passar branco, porque não quero ser execrado pelas bibas, registro que a risonha Jhô, além de ser uma mulher de muita raça e coragem, é uma das Divas Negras da comunidade gay. Quando chamada a colaborar com o GGB, lá está ela toda disposta pro que der e vier. Madrinha de Parada Gay? Não tem dificuldade, lá vai a super negra pra Feira de Santana ou pros confins da terra. E deslumbrante, reina absoluta e não escapa um trio elétrico em que não esteja em cima. Tranças e apliques em travestis ou bibas estilosas?Fazem fila à porta do seu salão de beleza. A energia desta mulher é contagiante. Ela é quase um sol cercada por estrelas gays, mais friendly que a negona do Pelô? Duvido, ela mesmo se define: “Sou das contas, dos búzios e adoro uma fechação. Uma mulher bicha e daí? Vai encarar?”

A Negra Jhô o Cabelo e a cabeleira, sempre foi assim?

Desde “Quarinda” a minha boneca de pano. Eu adorava pentear a descabelada. Fazia tranças com fios de sisal nas vizinhas e me sentia a própria. Outra coisa, eu tinha pouco cabelo. Meu irmão Nilton tirava a maior onda me chamando de “John”. Eu fazia tudo e nada do cabelo crescer. Era dona de uma carapinha meio sarará que não ia a lugar nenhum. Cresci e quando assistia na TV os filmes de Tarzan – com aquelas africanas cheias de roupa estampada e com cada penteado chocante. Eu me dizia: “ainda vou ser uma mulher dessa”. Eu era sapeca mesmo, brinquei muito de bola de gude, empinei arraia e não comia reggae de ninguém. Uma das minhas peraltices era me arrastar pelo chão no Terreiro de Joãozinho de Xangô e por baixo das saias das ekédes – espiar o cantar pra Exú. Quando o Ogã nos pegava era muito cascudo e puxão de orelha. Naquele tempo o ritual era muito secreto, cheio de melindres e cercado de mistério e eu louca de curiosidade queria ver tudo e só me restava ficar escondida entre as pernas das mães de santo.

Yansã penteia? Do Quilombo ou Quilombola é a Negra Jhô? E quando a vida diz não o tempo diz sim?

Sou filha de Ogum com Yansã. O meu temperamento é assim: Quando sou amiga sou ótima, agora quando me fazem desfeitas se cuidem, como inimiga sou melhor ainda, me torno excelente! Se não posso sozinha, se me falta forças pra resolver a pendenga, entrego ao senhor tempo. ” O tempo sim, bota todo mundo no seu lugar ele tem a resposta que eu preciso”. Já enfrentei muito “não”, chegou a minha vez e agora eu vou atrás do “sim”. Deus é pai, não é padrasto. Pra ingratidão eu tenho um escudo no coração. Por parte de papai descendo do Quilombo da Fazenda Caíque e de mamãe o da Murimbeca [alí perto em Madre Deus. ]

Possuo raízes africanas autênticas. Não fujo à regra e igual a Yansã trato as minhas coisas com firmeza, sentimento e respeito

O que a faz ter tanto carisma entre os homossexuais que a escolhe madrinha nas Paradas do Gay Pride?

Só se eu fosse maluca pra discriminar alguém. Sou negra e sei o sofrimento e a dor que sente quem é humilhado e deixado de lado por ser diferente. Em meu salão a palavra de ordem é tratar igual a todo mundo. Prostituta, travesti, turista gringo, gay, artista, doutor ou desembargador. Cabelo é cabelo. E depois amo de verdade os gays. São parte da minha vida. Tenho familiar gay. Tenho amigos que são gays. Eu nunca teria vergonha de um filho homossexual. Preconceito é uma coisa mesquinha. Eu te pergunto, que mal fazem os homossexuais? Nenhum! Cada pessoa tem que ser feliz à sua maneira. Imagino que o respeito entre as pessoas é o fundamental. Não levamos nada desta vida a não ser a felicidade dos bons momentos que passamos.. . Principalmente considero as pessoas . Você só recebe carinho se dá carinho. Eles passam na minha porta, me gritam, acenam, me jogam beijos e me abraçam por onde passo. Gostam de mim e eu deles. E depois eu me acho uma mulher meio gay – abuso das cores, dos penduricalhos, das miçangas, dos colares e dos brilhos – mais fechativa do que eu, sei não…o que vale mesmo é a alegria. Se ser gay é também ser feliz, então que mal há?

Eles gostam da Negra Jhô e eu não sou ingrata quando me admiram de verdade.

A Jhô é uma apaixonada?

Quem não tem paixão é pagão! O infeliz morre esturricado de infelicidade e não há salvação. É o amor que nos batisa e ilumina a alma. Tá aí meus filhos Wagner [25] e Kayiodê [5] e a minha netinha Kailane [1] que são meus amores e as grandes paixões da minha existência. Todo dia me apaixono por ser como sou e por ter saúde e força pra encarar de frente a vida como ela é. Meu pai Oxalá sabe que lhe sou grata. Quantos aos homens, sempre fui adepta do ” que seja eterno enquanto dure”. Não tem porque se ficar junto quando morre a chama da paixão. Eu não sou mulher pra mendigar amor de ninguém. Quem ficar comigo tem que gostar de mim. E se não for assim, paciência, a porta da rua é a serventia da casa….vai com Deus.

Arruda e sorte pro Senhor do Pelô?

Muita arruda, água de cheiro e Axé pro nosso ídolo maior. O Oxalá poderoso da nossa Terra. Um homem que vive repetindo que “ama a Bahia e que muito devoto não falta ao cortejo do Senhor do Bonfim” que fez o Pelourinho ressurgir das cinzas. Eu adoro ACM pelo que ele representa de amor, carinho e paixão por nossa gente. Tomara que as forças do bem o acompanhe sempre e que o nosso senhor do Pelô ACM possa socorrer a Bahia nas suas necessidades. Longa vida, saúde e muita sorte…. e muita arruda da Negra Jhô pro Senador!

As estrelas da Jhô brilham? Quem é quem no seu salão?

Todos brilham. Cada cliente meu é uma celebridade. “O baiano já estréia quando nasce” [risos]. Todos tem o mesmo tratamento. Apenas algumas pessoas são mais conhecidas que as outras. Estão na mídia, trazem a publicidade consigo e necessitam muitas vezes de uma privacidade – livre do assédio dos fãns – para escolherem o penteado e se disporem à faze-lo com calma. Por meu salão já passou o Thiago Lacerda, a Gil, Mariana Ximenes, Elba Ramalho, Luigi Barrichelo, Pepeu Gomes, Virginia Rodrigues, Tony Garrido, Ivete Sangalo, Aloízio Menezes, Marcelo Cerqueira, Regina Case, Daniela Mercury, Carlinhos Brown, meus músicos maravilhosos do Olodum, do Ylê e da Timbalada, Tonho Matéria e muita gente mais. Mas no fundo todo mundo é igual, todos querem ficar mais bonitos. A vaidade de estar com eles não me sobe à cabeça, porque gente é gente e quando se morre a terra come. Mas tenho tido a sorte de ter muitos amigos e amigas famosos que fazem lindos penteados comigo. É mais um reconhecimento ao trabalho dos “Penteados Afros – Cabeça de Negro da Negra Jhô”.

E o cenário da Negra Jhô é o Pelourinho?

Olha, a minha história de vida se confunde com as lendas e mistérios deste bairro. Aqui me vêem trabalhar, no Pelourinho faço amizades e mostro o meu trabalho como cabeleireira e esteticista – crio tendências e divulgo novidades em penteados afros no “Cabeça de Negro”. Daqui deste reduto negro de arte e magia parti para ser Rainha e brilhar nos principais blocos afros desta velha Salvador. Fui mulher negra símbolo de carnavais. Madrinha de Paradas Gays. Baiana seleta de cortejos do Bonfim. Garota propaganda de marcas populares, etc… Até fui santa. Não duvidem não porque na última Semana da Quaresma e sob as águas do Dique fui a mãe de Jesus – a Nossa Senhora Negra da encenação ” A Morte e a Paixão de Cristo”. Ao lado de outros atores encenei também outro personagem importante: A padroeira do Brasil, tive a honra de ser Nossa Senhora Aparecida por alguns momentos. O Pelourinho me dá muitas alegrias. E quanto a valorizar a mulher afro descendente, isto é comigo mesmo. Sei que tenho um feeling para descobrir belezas . Já indiquei cinco belas rainhas e princesas negras que brilham nas festas e nos eventos. Já tenho convites e estarei, com as graças dos meus orixás firme e forte no carnaval 2005.

Sem luta não há vitória, isso vale pra Negra Jhô?

Sou uma negra vitoriosa. Tenho muito que fazer ainda. Tenho um sonho antigo de ver transformada em ONG um projeto meu de cultura, profissionalização e arte aos descendentes de Quilombos. Mas um dia chego lá. Não me acovardo diante do trabalho e mas na hora do prazer sei me divertir muito bem. A vida da gente passa muito rápido e perder tempo não é comigo. Aprendi que a felicidade está dentro da gente e pra terminar este papo um recadinho: nada como um dia atrás do outro pra curar um desgosto. Negro feliz é negro que se ama. Um beijo e todo axé da Bahia em vossos corações.


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