ONU diz que a Justiça brasileira excluir pobres e privilegia o nepotismo

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A Justiça brasileira é lenta, pouco acessível à
população mais carente e apresenta até mesmo “certa
tendência ao nepotismo”. Essas são algumas das
conclusões de uma avaliação preparada pelo relator da
ONU (Organização das Nações Unidas) para a
in-dependência do Poder Judiciário, o argentino
Leandro Despouy.
O documento crítico, obtido com exclusividade pelo
jornal O Estado de S. Paulo, é o primeiro raio X feito
por um especialista da ONU sobre a Justiça brasileira
e aponta suas deficiências, além de indicar 22 ações
sobre como aprimorá-la.
Para Despouy, “a reforma do Judiciário, aprovada em
novembro, não será suficiente para tratar de todos os
problemas do sistema brasileiro”.
O documento – revelado ontem pelo jornal paulista –
é a versão preliminar preparada pelo relator da ONU e
não conta com os comentários feitos pelo governo
brasileiro e que seriam incluídos no relatório final.
O documento definitivo somente será divulgado pela ONU
nos próximos dias, mas as principais conclusões serão
mantidas.
Amanhã, na sede das Nações Unidas, em Genebra,
Despouy apresentará suas conclusões sobre o Brasil aos
demais países da Comissão de Direitos Humanos da ONU.
O governo promete enviar um representante de Brasília
para responder às críticas do relator.
Segundo a avaliação, o principal problema no Brasil
é a falta de acesso da população marginalizada à
Justiça. “Grande parte da população brasileira, por
razões sociais, econômicas, culturais ou de exclusão,
está impedida de ter acesso à prestação judicial ou a
recebem de maneira discriminatória”, afirma o
documento.
Completa: “em uma sociedade com tantas
desigualdades, a população mais pobre não tem
informação suficiente sobre como exercer seus direitos
através do sistema judicial”. e acordo com a análise,
o problema é ainda maior quando se trata de grupos
vulneráveis, como crianças, indígenas, homossexuais e
afro-brasileiros.
Preocupado com a impunidade relacionada à violência
contra mulher, Despouy acredita que tais atos não são
tratados de forma adequada pela Justiça. “Em muitos
âmbitos, domina a atitude machista que tende a
culpabilizar vítimas desses delitos”, diz o documento.
Quanto às crianças, Despouy pede a criação de
tribunais penais especializados para julgar crimes
contra esse grupo.
A falta de acesso à Justiça parece ser ainda mais
grave quando se trata de representantes de movimentos
sociais, como trabalhadores sem-terra e
ambientalistas. Para Despouy, esses grupos são
“revitimalizados pelo sistema judicial que reproduz na
administração da Justiça a discriminação presente na
sociedade”.
Segundo ele, quando esses grupos se apresentam como
vítimas, seus processos “levam décadas sem chegar a
uma sentença”. No Pará, dos 1,2 mil casos de
trabalhadores rurais assassinados entre 1985 e 2001,
só 85 tiveram suas sentenças julgadas em caráter
definitivo. Segundo Despouy, isso significa que 95%
dos casos ficaram sem uma resposta judicial.
Enquanto haveria uma “tendência à criminalização dos
movimentos sociais”, Despouy lembra que muitos
ativistas estão sendo processados. Só no Rio Grande do
Sul, quase 100 trabalhadores sem-terra estão nessa
situação. A impunidade expõe magistrados, advogados e
defensores de direitos humanos a ameaças de morte. Por
isso, o especialista sugere que defensores de direitos
humanos visitem o Brasil.
Outra característica do Judiciário criticado pelo
relator argentino é a morosidade do sistema legal
brasileiro, que contribui para a impunidade. Essa
lentidão o tornaria ineficaz e ainda afeta o direito
da população a se servir da Justiça. “As sentenças
levam anos para serem dadas, o que provoca incertezas
tanto no âmbito civil como penal e, em muitos casos,
gera impunidade”, afirma o documento.
Citando dados oficiais do Ministério da Justiça,
Despouy lembra que 17,3 milhões de processos foram
iniciados no País em 2003. Isso significaria um
processo para cada dez habitantes. Para o relator,
esse “índice descomunal coloca em evidência o
gravíssimo congestionamento do Poder Judicial”.
A ONU sabe que só em São Paulo há em média de 8 mil
a 10 mil processos por juiz e, em muitos lugares, há
uma “notória escassez de meios”, falta de funcionários
e de recursos tecnológicos para que o Judiciário possa
desempenhar suas funções de forma eficaz.
O QUE DIZ O DOCUMENTO
As 22 recomendações feitas por Leandro Despouy ao
Brasil
1 – Monitorar o impacto da reforma do Judiciário em
relação às defensorias públicas
2 – Dar autonomia financeira e administrativa para as
defensorias
3 – Criação de defensorias
4 – Prioridade para as crianças, inclusive com a
criação de tribunais especializados e com o
estabelecimento de Núcleos de Atenção à Infância
5 – Limitar a competência da Justiça Militar
exclusivamente para delitos de natureza militar
6 – Sugere a visita ao Brasil do relator especial da
ONU sobre direitos humanos
7 – Sugere a visita ao Brasil do relator da ONU sobre
o racismo
8 – Concursos anônimos para ingresso na carreira de
juiz
9 – Formação permanente dos magistrados
10 – Critérios objetivos para as promoções internas
11 – Maior representação de mulheres, indígenas e
afro-brasileiros no Judiciário
12 – Concursos públicos para funcionários dos
tribunais
13 – Controle social sobre a nomeação dos cargos de
confiança do Judiciário
14 – Medidas para eliminar a discriminação
15 – Aproximar os juízes da população
16 – Adotar um sistema de coleta de dados sobre a
eficiência do Judiciário e a criação de um indicador
de desempenho
17 – Limites para o uso do sigilo em casos envolvendo
juízes e políticos
18 – Redução de recursos processuais para agilizar o
sistema
19 – Aplicação de normas de direitos humanos
ratificadas pelo Brasil
20 – Coordenação de esforços internos e entre países
vizinhos para lidar com o crime organizado
21 – Identificar experiências positivas no País e
estudar sua implementação em outros locais
22 – Recorrer à ONU para que essas recomendações sejam
adotadas.
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Leia a matéria seguinte
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Mudanças nas regras para a
escolha de ministros do STF
O relator da ONU Leandro Despouy pede que as regras
para as nomeações de ministros para o Supremo Tribunal
Federal sejam reformadas para evitar “riscos de
politização” do órgão. A idéia é a de ter alguma forma
de controle social sobre a nomeação de cargos mais
altos do sistema judicial.
O relatório contém os seguintes tópicos:
1. O STF está composto por 11 ministros que ocupam o
cargo de forma vitalícia.
2. Somente se requer idoneidade jurídica e prestígio
pessoal.
3. Os ministros são propostos pelo presidente da
República e estão sujeitos à aprovação do Congresso
Nacional. A ausência de mecanismos de participação
popular na designação acentua os riscos de sua
politização.
O relator da ONU também sugere a realização de
concursos públicos para os funcionários dos tribunais.
Despouy afirma ter recebido depoimentos que
“comprometem juízes na contratação de familiares para
cargos de confiança”. Para ele, esse fenômeno, que
poderia representar uma “certa tendência ao
nepotismo”, estaria ligado aos modelos de concursos
que são aplicados.
Em alguns casos, porém, não há nem sequer concurso.
O especialista relata que, até o ano passado, não
teria havido um só concurso público para funcionários
do Poder Judiciário no Maranhão. O relator da entidade
pede ainda o estabelecimento de limites para o
argumento do sigilo em processo contra magistrados,
fiscais e políticos.


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