Um modelo positivo de homossexual

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GILBERTO SCOFIELD JR.
Há algo por trás da vitória do jornalista e professor universitário Jean Willys na 5 edição do “Big Brother Brasil” além do que o mero espetáculo metalinguístico ou os apelos pela audiência podem fazer supor. Sem pretender entender por que os brasileiros deram o prêmio máximo do programa a tipos tão diferentes quanto Bambam, Rodrigo, Dhomini ou Cida — ainda que se possa fazer uma tênue ilação com uma certa simpatia por tipos aparentemente ingênuos — o fato é que Jean tinha tudo para não levar o prêmio.
Afinal, o baiano reúne, em sua figura, tudo aquilo que não é considerado hype pelos próprios padrões de consumo moldados por uma sociedade preconceituosa, cínica, ambiciosa, mas cordial (como bem lembrou o próprio Jean). Ou seja, Jean é nordestino, gay, negro, de estatura mediana e inteligente, cinco adjetivos que batem de frente com os atributos que se levam em consideração hoje no país quando a idéia é se dar bem na parada, fazer dinheiro, subir na vida ou conhecer alguém.
As filas dos hospitais de campanha no Campo de Santana no Rio, o surto da pré-histórica doença do mal de Chagas em Santa Catarina e no Amapá, a morte das crianças indígenas em Mato Grosso do Sul, as extorsões nas estradas federais, a eterna violência nas grandes cidades, o espetáculo do casamento/paternidade da dupla Ronaldinho-Daniela — tudo ajuda a colocar sob outra perspectiva o que se pretendia apenas o fim de uma brincadeira em busca de pontos no Ibope.
E, neste momento, não me ocorre um contraponto mais significativo que o inqualificável fenômeno Severino Cavalcanti na presidência da Câmara dos Deputados. Em pouco tempo no cargo, o parlamentar conseguiu priorizar tudo aquilo que o brasileiro já não suporta mais em termos de irresponsabilidade administrativa, seja sob a forma do aumento de 25% na verba de gabinete de cada um dos 513 deputados, seja na defesa da contratação de parentes para cargos no governo. E há a orgulhosa exibição de um entendimento sobre direito individual (em temas como o aborto ou os direitos dos homossexuais) que faria do deputado um provável falcão no governo George W. Bush tivesse ele nascido no Texas.
Em meio a essa tsunami de realidades nacionais, não há como enxergar — ainda que momentaneamente, como é o caráter dos fenômenos de mídia — uma mensagem redentora na intenção dos milhares de brasileiros que votaram em Jean Willys. E ele foi, ao longo do programa, uma antítese do brasileiro espertalhão, macho, pitboy, cínico, manipulador, irresponsável e fútil que infesta a própria mídia como o exemplo das celebridades e dos poderosos cuja trajetória deve-se imitar.
Não foi sempre assim. O sujeito metido a intelectual que parecia querer mostrar que sabe mais que os outros chegou a causar certa rejeição. E espanto no momento em que se assumiu gay para um público de 40 milhões de pessoas num país onde gays bem-sucedidos e resolvidos parecem personagens de novela ou de minissérie americana.
É justamente aí que está a outra faceta mais significativa desta vitória. Jean é o primeiro modelo positivo de homossexual, na vida real e a cores, a ser exibido em massa no Brasil. Os acadêmicos que foram alvo da crítica do professor por torcerem o nariz para o programa podem estudar cientificamente o impacto deste modelo na cabeça de milhões de adultos para os quais homossexualismo é “falta de vergonha na cara” ou “doença”. Imagine-se o poder revolucionário contido na exibição de um gay integrando as forças do bem, enquanto os bonitões sarados podem, sim, compactuar com as forças do mal.
E imagine-se o que ocorre à auto-estima de um gay, motivo de escárnio e piadinhas depreciativas durante toda a sua vida sem a cumplicidade e o conforto da proteção familiar (porque assumir ainda é uma tarefa hercúlea), ao ver a aprovação de milhões a um gay assumido na TV. Nunca é demais citar o site VirtualPsy, que por sua vez reproduz pesquisa publicada na revista “Archives General Psychiatry”: “A média das pesquisas de tentativa de suicídio entre adolescentes homossexuais ou bissexuais é de 31%. Estudos epidemiológicos mostram que entre 18 e 24 anos de idade as tentativas de suicídio entre os homens são de 1,5% e, entre mulheres, de 3,4%. Segundo esses estudos, a não-conformidade com sua condição sexual gera o comportamento de auto-agressão.”
É bom saber que, pelo menos por uma noite, um gay, negro e nordestino é motivo de orgulho para um país.
GILBERTO SCOFIELD JR. é jornalista.


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