Germes podem causar diversas doenças

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The New York Times
Nicholas Bakalar
Doença infecciosa costumava ser algo simples: tal germe causa tal doença. Médicos apenas tinham que encontrar o germe, matá-lo e curar a doença.
Mas as antigas regras não se aplicam mais.
Um relatório emitido no mês passado pela Academia Americana de Microbiologia pinta uma figura mais complexa das doenças infecciosas. Germes, cientistas estão aprendendo, são provavelmente as causas de muitas doenças, que não eram tidas como infecciosas, e determinar exatamente como um germe contribui para doenças não é mais simples.
As antigas regras datam de 1883, quando o bacteriologista alemão Robert Koch estipulou três leis – agora chamadas de postulados de Koch – usadas desde então pelos especialistas em doenças infecciosas para determinar se um organismo causa uma doença: o germe suspeito deve estar consistentemente associado com a doença; deve ser isolado da pessoa doente e cultivado em laboratório; a inoculação experimental com o organismo deve causar os sintomas da doença para aparecer.
Em 1905, foi adicionada a quarta regra: o organismo precisa ser novamente isolado da infecção experimental.
Usando os postulados de Koch como ponto de partida, cientistas descobriram a causa, prevenção e tratamento para uma série de doenças infecciosas. No meio do século 20, alguns especialistas começaram a acreditar que doenças infecciosas poderiam ser permanentemente adquiridas. Mas micróbios passam por metamorfoses e se transformam em formas novas e mais destrutivas, para saltar dos animais para humanos, para se esconderem onde é difícil encontrá-los e resistir aos antibióticos mais poderosos disponíveis.
O dr. Ronald Luftig, autor do relatório da academia e professor de microbiologia, disse, “existem muitas doenças humanas crônicas que acredita-se que sejam genéticas ou ambientais, mas quando olhamos para elas mais detalhadamente, há envolvimento de bactérias, grupos de bactérias ou vírus”.
Micróbios usam uma variedade de mecanismos para atacar células e gerar destruição. Os papilomavírus humanos, por exemplo, inserem seus ácidos nucléicos em células hospedeiras, integram-se aos genes da célula e alteram o processo normal de divisão celular para causar o crescimento incontrolável de câncer cervical.
A hepatite B invade o fígado, provoca uma resposta imune que estimula a cicatrização, cirrose e fibrose que podem levar à falência do fígado. Ao mesmo tempo, isso causa mutações genéticas que promovem o crescimento de tumores e câncer de fígado fatal. A Doença de Crohn, inflamação crônica dos intestinos, pode ser resultado da presença de organismos infecciosos combinados com uma susceptibilidade genética da pessoa.
Com a supressão do sistema imunológico, inibição da divisão celular e a afetação direta da função das células, germes demonstram uma sutileza impressionante e sabedoria em criar o caos biológico.
E pode piorar. Alguns micróbios contribuem para mais de uma doença. O papilomavírus, por exemplo, pode causar não apenas o câncer cervical, mas também câncer no pênis e ânus, verrugas venéreas, verrugas comuns e câncer da cabeça e pescoço. O vírus Epstein-Barr, causa da mononucleose infecciosa, é quase tão versátil, associado com linfoma de Burkitt na África e com câncer de garganta e doença de Hodgkin, entre outros cânceres.
Mesmo dizer que um micróbio “causa” uma lesão cancerígena é problemático. O dr. David S. Pisetsky, professor de medicina na Duke University Medical Center, aponta que a maioria das infecções não levam ao câncer, e hesita alarmar pacientes exagerando a conexão.
“Estes vírus são associados com câncer, mas a casualidade é complicada”, ele disse. “Muitas vezes, a infecção viral é parte de uma cadeia de causalidades, e não um fator isolado”.
As perguntas importantes a serem feitas, disse Pisetsky, são “quais os riscos e como reduzi-los?”
“Se você tiver um vírus associado com câncer de pescoço e cabeça”, ele falou, “esta é mais uma razão para deixar de fumar”. No caso de um vírus que poderia conduzir a câncer cervical, ele prosseguiu, é preciso aumentar a vigilância, com exame papanicolau e outros, regularmente.
Tudo isto, combinado com o fato que muitos germes (especialmente vírus) são impossíveis de cultivar em laboratório, torna ainda mais difícil encontrar o micróbio que causa a doença.
Normalmente, o primeiro passo é uma simples observação de pacientes por clínicos, bem pouco mais do que uma desconfiança: um médico percebe uma doença crônica que parece estar sempre associada com algo infeccioso.
Isto é exatamente o que aconteceu quando o dr. N.M. Gregg, oftalmologista australiano, descobriu Síndrome de Rubéola Congênita. Ele fez a conexão entre as cataratas que encontrou em crianças e o sarampo das mães durante a gravidez.
Algumas vezes padrões epidemiológicos dão a dica inicial, como foi o caso com o sarcoma de Kaposi, um dia uma rara lesão causada por um tipo de herpes que ocorria freqüentemente em homens gays, cujos sistemas imunológicos estavam comprometidos.
Uma vez que a associação é feita, a busca por organismos pode começar. O intestino fica habitado por centenas de espécies de micróbios, e a parte culpada pode estar se escondendo entre eles. Germes podem se esconder no sistema nervoso, como o vírus da varicela que causa catapora e então fica de emboscada para causar herpes zoster, décadas depois. Certos germes podem causar infecção em algum lugar do corpo, e a doença em um lugar totalmente diferente. Até as técnicas moleculares mais sensíveis, algumas vezes não são boas o suficiente para encontrar o micróbio culpado.
Quase certamente ainda existem micróbios desconhecidos criando doenças crônicas. “Um dos suspeitos de esclerose múltipla é o vírus Epstein-Barr”, disse Luftig. “O DNA do vírus se integra nas suas células; e fica lá permanentemente. É uma causa? Talvez”.
Luftig sugere várias outras doenças que podem ter um início microbial. “Há um vírus intestinal envolvido na destruição de células de ilhotas pancreáticas”, ele disse. “Talvez a diabete seja causada por uma reação imune à infecção. Exposição intra-uterina à infecção pode desempenhar um papel na esquizofrenia”.
Ninguém tem certeza ainda. Mas pesquisadores – médicos, microbiologistas, epidemiologistas, geneticistas – possuem suas suspeitas e estão pesquisando cuidadosamente.
“Não estamos dizendo que tudo possui relação com micróbios”, falou Luftig. “Mas quanto mais ferramentas investigativas nós desenvolvermos e quanto mais interação houver entre grupos de pesquisadores com especialidades variadas, mais poderemos encontrar possíveis agentes que nunca foram suspeitos antes”.


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