Especialistas questionam decisão do STJ sobre união homossexual

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Ricardo Viel

Uma decisão da 3ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), publicada na semana passada, reascendeu a polêmica sobre a união entre casais homossexuais na sociedade brasileira. Os três ministros que compõem a turma entenderam, por unanimidade, que a união estável só ocorre entre homem e mulher, nunca entre pessoas do mesmo sexo.

O dispositivo da Constituição que trata da união estável determina que, para efeitos da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher. No entanto, no primeiro artigo da Carta de 1988, a dignidade da pessoa humana é apontada como um dos fundamentos do Estado.

A igualdade de todos perante a lei, a prevalência dos direitos humanos e a proteção contra discriminação e tratamento desigual também estão assegurados nos primeiros artigos pela Constituição Federal. Como proceder neste caso: aplicar o dispositivo expresso na lei, como fez o STJ, ou os princípios e fundamentos da Constituição?

A reportagem de Última Instância consultou alguns especialistas em direito civil a fim de saber como localizar a decisão do STJ no debate sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo. Todos foram unânimes em afirmar que a decisão, do ponto de vista legal, é irretocável. Mas há também um consenso de que o STJ teria dado um importante passo para garantir direitos a uma significativa parcela da população se tivesse levado em consideração a realidade social que não seria ainda abarcada pela legislação.

No caso julgado pelo STJ, houve reformulação do acórdão do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), que concedeu a uma homossexual direitos sobre os bens da sua ex-parceira, com quem conviveu durante 13 anos. Os ministros do STJ entenderam que a companheira teria que comprovar a efetiva participação na constituição do patrimônio, para ter direito à partilha.

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, a dispensa das provas só poderia ocorrer caso se tratasse de uma união estável, o que, pela Constituição, aconteceria apenas entre um homem e uma mulher. A ministra, que foi acompanhada pelos demais integrantes da 3ª Turma, entendeu que o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo configura uma sociedade de fato e, nestes casos, é essencial que cada parte comprove qual foi sua participação na constituição do patrimônio comum para que seja feita a partilha.

Decisão contestável
De acordo com a Constituição Federal, o STJ é a Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal no país, seguindo os princípios constitucionais e a garantia e defesa do Estado de Direito. Alguns Tribunais de Justiça têm julgado casos envolvendo união entre pessoas do mesmo sexo no sentido contrário ao entendimento do STJ, em decisões elogiadas por seu caráter moderno, mas que não são pacificadas no Judiciário.

O advogado Antônio Baptista Gonçalves avalia que o entendimento do STJ terá que ser revisto a partir da entrada em vigor, em setembro deste ano, da Lei Maria da Penha —lei n° 11.340. Segundo ele, o artigo 5° da lei reconhece a proteção para pessoas do mesmo sexo. “Com esse dispositivo, a legislação brasileira abriu um precede para reconhecimento da união estável homossexual”, afirma.

Gonçalves considera que a decisão do STJ não está atrasada, está em compasso com o que a sociedade, de um modo em geral, acredita. “É um processo. Cabe à jurisprudência e à doutrina alterarem essa mentalidade”, diz. Para ele, o debate sobre o assunto é que consolidará o avanço na jurisprudência, porém a criação da lei é um passo importante para o reconhecimento do direito dos casais homossexuais.

Nesse sentido, dois caminhos são apontados para resolver o impasse legal: ou o Congresso Nacional muda a Constituição, para compreender a união civil de pessoas do mesmo sexo; ou o STF (Supremo Tribunal Federal) decide qual dos dois trechos da Carta Magna vale para julgar essas questões.

Para o procurador Carlos Cardoso, assessor de direitos humanos do Ministério Público Estadual de São Paulo, em termos sociais, “a decisão é retrógrada”. “A decisão não é ilegal, mas conservadora, no sentido de que [os ministros]interpretam a Constituição de uma maneira restritiva”, afirmou. “Não reconheceu a realidade de que duas pessoas do mesmo sexo podem viver como casados. E diante desta realidade cabe a Justiça se adaptar.”

Cardoso considera que o tribunal fluminense deu um entendimento atual, moderno, aplicando a Constituição com maior amplitude. Ele considera que o ideal seria a aprovação de uma lei que reconheça a união estável. “Enquanto não houver uma alteração, dependeremos da interpretação dos magistrados”, afirma. “Como o Congresso é oportunista, vai postergar essa decisão. Uma parte da sociedade é conservadora, principalmente a parte ligada às igrejas, e o Congresso não quer desagradar a esse grupos.”

A avaliação é partilhada pela advogada de direito de família Maria Hebe Pereira de Queiroz. Para ela, enquanto a legislação não for alterada, decisões como a do STJ serão a regra. Segundo ela, em uma relação heterossexual, comprovada a convivência, presume-se a parceria no cuidado com a casa, os filhos, e se concede a partilha. Em uma relação homossexual, é necessário que se comprove que houve parceria na constituição dos bens, para que haja a divisão do patrimônio.

“Sou favorável à alteração da legislação para que se trate igualmente casais homo e heterossexuais e a possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo”, afirma a advogada.

Interpretação humanista
Para a advogada Patrícia Paniza, a decisão do STJ poderia ter sido outra, caso fosse aplicada uma interpretação humanista baseada nos princípios da Constituição. “A decisão é mais pautada na legalidade do que nos princípios da Constituição como a dignidade da pessoa humana”, avalia.

De acordo com a advogada, o tribunal considerou mais relevante a questão da prova do que a afetividade entre as pessoas envolvidas. A advogada comentou que, excetuando a Justiça gaúcha, a maioria dos tribunais do país segue o entendimento do STJ, atribuindo pesos diferentes a relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e pessoas do sexo oposto.

Na opinião da advogada Sylvia Maria Mendonça do Amaral, a tendência é que haja um convencimento, por parte dos ministros, do reconhecimento dos direitos dos homossexuais. Segundo ela, para isso é necessário que haja “uma avalanche de decisões”, como as do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul).

“A decisão [do STJ]está correta legalmente, mas é um retrocesso no caminho pelo qual estamos indo”, afirmou. Segundo ela, até mesmo em regiões tidas como mais conservadoras, como no Nordeste, o direito dos casais homossexuais tem sido reconhecido.

A advogada entende que deve ser feito um movimento nos dois Poderes —Legislativo e Judiciário— para se conseguir o reconhecimento do direito à união civil de homossexuais. Segundo ela, há atualmente uma iniciativa por parte de grupos de GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transsexuais) de se fazer uma consulta com vários setores da sociedade para a apresentação de um novo projeto de lei, mais c
ompleto e atual do que os existentes.

Quarta-feira, 1 de novembro de 2006


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