Ainda não é um caso de amor

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Nossa Constituição Federal estabelece que “é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.
Aí reside a impossibilidade de se reconhecer como união estável a relação de amor entre duas pessoas do mesmo sexo. A lei não prevê isso. Aliás, prevê exatamente a diversidade de sexos para formação de uma entidade familiar.
Contraditoriamente, essa mesma Constituição Federal garante aos cidadãos o direito à igualdade, à privacidade, dignidade, afirmando textualmente que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Estabelece, também, que “é um dos fundamentos de nosso País a dignidade da pessoa humana e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor e idade”.
Porém, prevaleceu entre os três artigos constitucionais aquele que exige um homem e uma mulher como formadores de entidade familiar, apesar de tal ato constituir clara afronta ao direito à igualdade de todos pregada tão veementemente por nossa Constituição.
Assim, não há legislação alguma que possa proteger os direitos de homossexuais que optam por formar uma família com base em amor e afeto. São ignorados pelo legislador. Entretanto essas relações são vistas com melhores olhos pelo Judiciário, que avança a cada dia.
Assim, considerando-se que não é permitido aos homossexuais o casamento e nem mesmo a união estável, esses relacionamentos eram tratados como inexistentes. Ignorados.
Com o passar do tempo as relações envolvendo duas pessoas do mesmo sexo tornaram-se mais freqüentemente expostas. Casais buscavam o Judiciário quando do término de uma relação afetiva, por separação do casal ou por falecimento de um deles. Surgiam e surgem aí os problemas.
Se as relações eram tidas como inexistentes pelos julgadores, como poderiam decidir acerca de patrimônio do casal que optou pela separação? Era justo deixá-los abandonados a própria sorte?
A solução para isso foi reconhecer entre os parceiros homossexuais a existência de uma sociedade de fato, que, conforme o texto legal, é aquela estabelecida “entre pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”.
A sociedade de fato está prevista em nossa legislação no capítulo do Código Civil que trata do Direito das Obrigações, ao passo que as relações de afeto existentes entre heterossexuais estão previstas na parte reservada ao Direito de Família.
O avanço foi enxergar as relações homoafetivas como sociedades de fato. Uma forma de solucionar o problema da partilha de bens havidos por pessoas do mesmo sexo.
Mas não parecia suficiente. Como tratar como uma verdadeira sociedade comercial a relação de amor entre duas pessoas? Pessoas que são parceiras, companheiras e não sócios.
Considerando-se tais fatos, temos que as uniões homossexuais passaram a ser julgadas nas varas cíveis, pelos juízes cíveis. Uma verdadeira sociedade.
Porém, passados alguns anos, alguns julgadores perceberam que não era possível tratar como sociedades as relações de afeto entre pessoas do mesmo sexo. O que havia entre elas era algo que ia além de meras transações negociais.
Formou-se o entendimento, assim, que tais questões deveriam ser julgadas pelos juízes de família, nas varas de família que até então julgavam apenas as questões oriundas de entidades familiares formadas por um homem e uma mulher. Tratavam das questões heterossexuais, por assim dizer.
Surge, mais uma vez, uma incoerência cruel. Apesar de decidirem que tais questões deveriam ser decididas em varas de família, por juízes de família, continuaram os julgadores a ver as relações, no que diz respeito à divisão patrimonial, como sociedades de fato, já que as uniões homossexuais não podiam (e não podem) ser protegidas por lei.
Criou-se o seguinte monstro: juízes da família cuidando de conflitos gerados entre casais homossexuais, porém tratando tais uniões como sociedades de fato.
Com o passar de mais algum tempo, alguns juízes ousaram, acertadamente, digamos, reconhecer como uma verdadeira união estável aquela formada por pessoas do mesmo sexo. Consideraram uma afronta ao direito à igualdade, tratar os homossexuais de forma diferente dos heterossexuais.
É a vez, então, dos pioneiros julgados que viam nas relações homossexuais, verdadeiras famílias que exigiam proteção assim como as famílias formadas por heterossexuais.
Em um dos julgados a respeito podemos ler que “é possível o processamento e o reconhecimento de união estável entre homossexuais, ante princípios fundamentais insculpidos na Constituição Federal que vedam qualquer discriminação, inclusive quanto ao sexo, sendo descabida discriminação quanto à união homossexual”. Essa linha de raciocínio e julgamento vem sendo acatada por desembargadores desde antes de 2000.
Em tese teríamos chegado a uma situação bastante confortável. Teríamos as relações homossexuais julgadas por juízes de família e encaradas como uniões estáveis. Restaria apenas aguardar e provocar o legislativo para que fosse aprovado projeto de lei da Deputada Marta Suplicy admitindo a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo.
No entanto, as coisas não foram exatamente conforme previsto e desejado.
Em decisão proferida em dezembro de 2004 e publicada em março de 2005, o Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pelo julgamento de processos em última instância, determinou que uma questão patrimonial oriunda de uma relação entre pessoas do mesmo sexo fosse julgada por juízes cíveis, como sociedades de fato.
O Tribunal do Rio Grande do Sul, admitindo a existência de uma união estável entre pessoas do mesmo sexo, determinou que o processo fosse julgado por juízes de família e exatamente essa decisão foi revista e reformada pelo Superior Tribunal.
A expectativa gerada por esse julgamento, um dos poucos que chegou à instância superior, foi absolutamente frustrada. O processo chegou ao fim, porém da forma menos justa se olharmos ao nosso redor podendo avistar infinitas relações de verdadeiro afeto e amor entre pessoas do mesmo sexo.
Pouco foi comentada tal decisão.
Um dos caminhos seria ignorar esse julgado. Talvez com o objetivo de não causar desapontamento e com isso um desânimo que impediria o ingresso de ações desses moldes no Judiciário. Não podemos deixar que isso aconteça. O Judiciário é a esperança daqueles que pretendem ver suas uniões reconhecidas como estáveis. É a busca constante pelo socorro do Judiciário que fará com que haja uma mudança na visão que se tem da sociedade. Que nos permitirá e também aos nossos julgadores reconhecer e aceitar as mudanças ocorridas em nossa sociedade. Por isso, não podemos desistir. Nem os envolvidos nas relações e muito menos nós, operadores do direito, que temos uma longa jornada pela frente quando nos decidimos a lutar nessa batalha.
Ainda não podemos dizer que as relações homossexuais são vistas como casos de amor, mas com certeza, mais dia menos dia isso acontecerá.
Sylvia Maria Mendonça do Amaral
Coordenação Civil, Família e Sucessões
Correia da Silva e Mendonça do Amaral Advogados
Contato [email protected]
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