A Sucessão entre os parceiros

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Sylvia Maria Mendonça do Amaral
Entre os parceiros, mais desagradável do que falar em contratos de união estável é falar em sucessão, em testamento.
É como se ninguém se separasse, ninguém morresse.
Como a realidade, e sabemos muito bem disso, não é essa, é preciso tratar dessas questões de forma consciente.
Os contratos de parceria já foram abordados em artigo anterior, que foi endossado por determinação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul aos cartórios de notas no sentido de que os contratos de parceria afetiva entre pessoas do mesmo sexo sejam registrados, diante da resistência de alguns deles em fazê-lo.
Falamos agora em sucessão, na morte de um dos companheiros durante a vigência da relação homoafetiva.
Para falarmos em sucessão entre os parceiros é essencial que a relação tenha sido reconhecida como uma união estável, lembrando que os companheiros só passaram a ser herdeiros uns dos outros em virtude das alterações introduzidas pelo novo Código Civil. Contrariamente, se a relação homoafetiva é vista pelos tribunais como uma “sociedade de fato” (como se fosse uma sociedade comercial), não há que se falar em sucessão, pois os “sócios” não são herdeiros uns dos outros.
Os parceiros têm direito a herança, concorrendo com os filhos ou pais ou parentes sucessíveis do falecido, até 4º grau (irmãos, sobrinhos, tios, primos, tios-avós e sobrinhos-netos).
Se a relação é reconhecida como união estável opera-se a sucessão. Ou seja, pode-se falar em herança. O parceiro sobrevivente é herdeiro do falecido com uma ressalva muito importante: os parceiros só serão herdeiros um do outro com relação aos bens adquiridos durante a união estável, exceto os bens advindos de doação ou herança.
Antes que se opere a partilha por sucessão, o sobrevivente já tem direito à metade dos bens adquiridos durante a união estável. É a meação. É que se nada for estabelecido entre os parceiros, valerá para as uniões estáveis o regime da comunhão parcial de bens (só são partilhados os bens adquiridos durante a união).
Se equiparamos as uniões homossexuais às heterossexuais, os parceiros vivendo em união estável têm direito à metade do patrimônio formado durante a união. Esses 50% dos bens já pertencem ao sobrevivente a título de meação. A partilha por sucessão ocorrerá com relação aos 50% restantes, aqueles pertencentes ao parceiro falecido, isso com relação ao patrimônio formado durante a união estável.
Dos 50% que pertenciam ao falecido, o sobrevivente será herdeiro, juntamente com os filhos do falecido ou seus pais, se não houverem filhos ou, na falta destes concorrerá com os parentes sucessíveis do falecido até 4º grau.
Em não havendo quaisquer dos parentes sucessíveis a totalidade dos bens que pertenciam ao falecido caberão ao companheiro sobrevivente, ressaltando, mais uma vez, que só apenas em relação aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável.
Ou seja, o parceiro sobrevivente pouco pode receber da herança de seu companheiro. Participa da herança só em relação aos bens adquiridos durante a união estável (os bens do falecido adquiridos antes da união estável serão partilhados apenas entre os filhos do falecido, ou seus pais). Não participa dos bens incorporados ao patrimônio através de doação ou herança, mesmo que durante a união estável; concorre na herança com filhos, pais ou parentes tão distantes do falecido que podem ser até desconhecidos, sendo o sobrevivente preterido, mesmo tendo convivido durante anos com o parceiro falecido. Apenas na falta desses parentes sucessíveis é que o companheiro sobrevivente herdará a totalidade dos bens do falecido adquiridos onerosamente durante a união.
Se o falecido tivesse filhos o sobrevivente terá direito à metade do que couber a cada filho. Ou seja, se o falecido deixar dois filhos, com relação aos seus 50% dos bens (os outros 50% já pertencem ao sobrevivente a título de meação) caberá a cada um dos filhos 20% e ao sobrevivente 10%. Essa é mais uma das desvantagens do parceiro.
Exemplificando: na hipótese de ter sido adquirido durante a união estável um bem de R$ 500.000,00 ao sobrevivente caberá R$ 250.000,00 a título de meação e os outros 50% que pertenciam ao falecido caberão a seus dois filhos e ao parceiro resultando R$ 100.000,00 a cada filho e R$ 50.000,00 ao sobrevivente.
Porém, a situação mais comum (muito comum) é haver disputa entre o sobrevivente e os pais do falecido.
Nesse caso a sucessão opera-se da seguinte forma: a meação do sobrevivente é preservada, pois, lembrando, não tem qualquer relação com a morte do parceiro, e os 50% restantes, os que cabiam ao falecido, serão partilhados entre o parceiro sobrevivente e os pais do falecido. Ao sobrevivente caberá um terço dos bens e os 2/3 restantes caberão aos pais do falecido. Isso sempre com relação aos bens adquiridos durante a união estável. Se o falecido tivesse bens adquiridos antes da união estável esses só seriam partilhados entre os pais do falecido.
O que ocorre com freqüência é os pais do falecido promoverem judicialmente o inventário dos bens deixados por ele, sem mencionar a existência de uma união estável homossexual. E assim, recebem a integralidade dos bens deixados pelo falecido, ficando inclusive com os bens que o companheiro sobrevivente contribuiu para adquirir durante a união estável, com seu esforço, seus recursos.
Suponhamos que o patrimônio do casal seja formado por um único bem, adquirido durante a união entre eles. Esse bem cabe aos dois parceiros pelo fato de viverem uma relação homoafetiva estável. Os pais do falecido promovem a abertura do inventário dos bens de seu filho falecido, não mencionam a existência do parceiro sobrevivente e recebem para si a integralidade do imóvel, que foi adquirido, muitas vezes com a colaboração direta (financeira) ou indireta (serviços domésticos, administração da carreira do falecido, administração das rotinas da casa dos parceiros etc…), do parceiro sobrevivente, isso se não existirem filhos do falecido.
Também é freqüente o sobrevivente ingressar no processo alegando ter direito a partilha ante o fato de ter vivido uma união estável com o falecido e seus pais ou outros herdeiros contestarem tal fato. Surge a necessidade, assim, de o sobrevivente ter que provar exaustivamente a existência de tal união.
Diante da freqüência com que ocorrem tais casos, é imprescindível a formalização de um contrato de união estável entre os parceiros (evita-se a fase de provas para reconhecimento da união estável) e um testamento, único instrumento que pode reverter as situações acima descritas, beneficiando amplamente, se for a vontade das partes, o parceiro sobrevivente.
O que pode estabelecer o testamento?
Aqui cabe um esclarecimento acerca dos testamentos. Só é possível, para qualquer cidadão, deixar em testamento a metade de seus bens. Essa é a parte disponível. A outra metade tem que se destinar aos herdeiros do falecido
Assim, o parceiro pode fazer um testamento deixando metade de seu bens adquiridos antes e durante a união estável a seu parceiro.
Vejamos como fica essa situação, com o parceiro sobrevivente concorrendo com os pais do falecido, se, por exemplo, o parceiro tivesse um imóvel adquirido antes da união estável no valor de R$ 250.000,00 e um adquirido durante a união estável no valor de R$ 300.000,00.
Sem testamento a partilha ocorreria da seguinte forma:
– o sobrevivente teria direito apenas aos bens adquiridos durante a união estável;
– teria direito à sua meação (R$ 150.000,00);
– com relação aos outros 50% que pertenciam ao falecido, teria direito a uma terça parte e os outros dois terços caberiam aos pais do falecido. Ou seja, o sobrevivente ficaria com R$ 50.000,00 (uma terça parte dos 50% dos bens do falecido). Totalizando, assim, R$ 50.000,00, além dos R$ 150.000,00 correspondente a sua meação.
Em havendo testamento, o sobrevivente pode ser amplamente beneficiado ocorrendo a seguinte situação:
– o parceiro pode deixar para o sobrevivente 50% de todos os seus bens. O sobrevivente já tem, assim, R$ 125.000,00 correspondente à metade do bem do falecido, adquirido antes da união estável.
– tem direito à meação do bem adquirido durante a união: R$ 150.000,00;
– por testamento teria direito também a metade da parte que caberia ao falecido (o falecido teria direito a 50% do bem adquirido durante a união estável equivalente a R$ 150.000,00) mas deixa ao sobrevivente metade disso, ou seja, R$ 75.000,00;
– com relação aos R$ 75.000,00 que restaram da parte cabente ao falecido, haveria a divisão entre o sobrevivente e os pais do falecido na proporção de 33,33% para cada um deles. Ou seja, acresceria a parte do sobrevivente em R$ 25.000,00. Totalizando, assim, R$ 225.000,00, além dos R$ 150.000,00 correspondente a sua meação.
Estamos falando dos seguintes valores:
– se não houver contrato de união estável e testamento, o sobrevivente ficaria com R$ 50.000,00 além dos R$ 150.000,00 correspondente a sua meação;
– em havendo testamento beneficiando amplamente o sobrevivente a ele caberia R$ 225.000,00 além dos R$ 150.000,00.
Muitos parceiros expressam sua indignação a respeito do fato de terem que partilhar com familiares do falecido bens adquiridos apenas com o esforço e recursos do casal ou de um deles. Isso com relação aos pais do falecido. O que se diz, então, de partilhar tais bens com os parentes de 4º grau do falecido?
Para evitar tais dissabores e indignações, mesmo considerando-se que inevitavelmente os herdeiros necessários do falecido terão direito a parte dessa herança, é possível, como vimos acima, beneficiar da forma mais ampla possível, dentro dos termos legais, o parceiro sobrevivente. Para isso é indispensável a elaboração de um testamento, de acordo com a vontade das partes, podendo os parceiros outorgarem um ao outro mais ou menos benefícios do que aqueles determinados pela lei.
Sylvia Maria Mendonça do Amaral
Coordenação Civil, Família e Sucessões
Correia da Silva e Mendonça do Amaral Advogados
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