A criação dos meninos sem os pais

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Ângela Corrêa
Do Diário do Grande ABC

Que criar dignamente os filhos sem um pai em casa é possível, isso várias mulheres – mães solteiras, heterossexuais ou lésbicas que dividem a guarda com uma parceira –, já descobriram há muito tempo. Mas e a probabilidade de o sexo feminino criar meninos bem resolvidos sexual e emocionalmente, exatamente o contrário da imagem de filhinho da mamãe que a tutela exclusivamente materna costuma resultar? A resposta é positiva, garante a psicóloga norte-americana Peggy Drexler, professora na Universidade de Cornell, no livro Raising Boys Without Men (Criando Meninos sem os Pais), publicado pela Editora Rodale há pouco mais de um ano nos Estados Unidos, relançado como edição de bolso no último mês e sem previsão para chegar ao Brasil.

O livro causou polêmica no país da autora. Representantes de correntes cristãs ultraconservadoras resenharam a obra, escandalizados com a naturalidade com que a psicóloga trata as famílias não-convencionais, e a bombardearam com ameaças. “Esses ataques vieram de pessoas que não leram meu livro e pensaram que eu estava dizendo que homens não eram necessários”, acredita.

E a autora realmente não pretende pregar uma criação sem nenhuma figura masculina para os meninos. O que pretende é livrar as lutadoras mães solteiras e homossexuais (as quais Peggy denomina dissidentes) do estigma de proporcionar uma criação equivocada. “Minha pesquisa revela que para criar filhos prósperos, emocionalmente saudáveis e masculinos, não requer um homem dentro de casa. Eu acabei descobrindo que pais amorosos, amáveis e que encorajam o crescimento é o que os meninos precisam”, conta. A receita positiva, segundo descobriu Peggy, é que ao manter contato com as mulheres, os garotos prestam mais atenção aos seus próprios sentimentos, e ficam mais sensíveis, sem necessariamente adotarem trejeitos efeminados. “Meninos serão sempre meninos”, acredita a autora, que acha altamente recomendável que os meninos sejam acompanhados de avôs, tio ou padrinhos enquanto crescem. Leia trechos da entrevista concedia por e-mail ao Diário:

DIÁRIO – Por que a senhora escolheu esse tema para o livro?
PEGGY DREXLER – Da mesma forma que o número de casas com mães solteiras ou com duas mães tem crescido significativamente durante a última década, cresceu também a preocupação sobre os possíveis prejuízos aos meninos, causados pela falta de um modelo masculino em casa. Em meio à confusão social e ao debate que tomou forma, eu fiquei fascinada com essa questão: pais em família sem núcleo, sem uma mãe ou um pai dentro de casa, podem criar os filhos com sucesso?

DIÁRIO – Como foi feita a pesquisa que resultou no material do livro?
PEGGY – Meu estudo, que começou em 1996, englobava 16 casais de duas mães e 16 famílias tradicionais, todos criando meninos na faixa etária dos 5 aos 9 anos. Os participantes viviam na área da baía de São Francisco, onde eu morava naquela época. Eu me encontrei com estas famílias quinzenalmente, por dois anos. Durante os quatro anos em que fui pesquisadora na Universidade de Stanford, fiquei me perguntando se o que eu tinha testemunhado nos lares em que duas mães criavam os filhos, também era verdadeiro para garotos criados por mães solteiras. Então, a próxima fase da minha pesquisa envolveu entrevistar intensivamente 30 mães solteiras por escolha e 30 mães que eram solteiras por outras circunstâncias – tinham enviuvado, se separado ou divorciado – em todo o país. Eu então comparei estes três grupos às 16 famílias tradicionais, com pai e mãe, que eu já tinha entrevistado.

DIÁRIO – Qual foi sua conclusão?
PEGGY – Descobri que revelar que a moralidade e a masculinidade de um garoto poderiam ser estimuladas sem um pai que morasse em casa desafia a idéia que já existe sobre o ambiente ideal para criar os filhos. Percebi que essas mães solteiras heterossexuais e mães lésbicas, as quais eu me refiro no livro como mães dissidentes, possuem um poder materno inato, que é mais do que suficiente para criar meninos saudáveis e felizes. Além disso, concluí que essas criadoras de filhos são materializações divinas de um novo movimento social, aquele que está produzindo meninos que prometem se transformar em homens bons e até excepcionais. Minha pesquisa revela que para criar filhos prósperos, emocionalmente saudáveis e masculinos, não requer um homem dentro de casa. Eu acabei descobrindo que pais amorosos, amáveis e que encorajam o crescimento, é o que os meninos precisam. Uma boa mãe vai ajudar a desenvolver o potencial completo dele enquanto valoriza sua masculinidade e encoraja seu amadurecimento, independência e senso de aventura do garoto. Acredito que o problema real são idéias antigas de que a criação feminina é deficiente, inadequada, falida ou que causa danos. É como está na pesquisa: os dados sociais mostram que o estado socioeconômico é um medidor mais forte que quase qualquer outro índice de bem-estar infantil. Não o casamento. Não quantos pais vivem no lar, ou seus gêneros sexuais. Nós insistimos em ver famílias comandadas por mães como imperfeitas, em famílias com duas mães como antinaturais e ambas como ameaçadoras para a masculinidade do menino.

DIÁRIO – Meninos criados apenas pelas mães podem ser homens melhores do que aqueles que crescem em uma família regular?
PEGGY – Entre as descobertas da minha pesquisa, percebi que filhos de famílias de mães solteiras e de duas mães estão crescendo emocionalmente mais fortes e mais gentis, com mente aberta e até mais atraentes do que garotos de algumas famílias tradicionais, com mãe e pai. Mesmo que tenham mais contato com os próprios sentimentos, estes garotos permanecem travessos e masculinos em todas as maneiras já definidas por nossa cultura. Os meninos têm habilidade inata para se transformar em homens e perseguir modelos masculinos, mesmo quando não há uma figura paterna em casa – uma capacidade que tanto bons pais quanto boas mães podem incentivar.

DIÁRIO – Viver sem uma figura paterna pode ser negativo? De que maneira?
PEGGY – Acredito que os estudiosos das ciências sociais e a sociedade como um todo confundem regularmente a estrutura familiar com fatores econômicos que podem influenciar o comportamento. Fatores socioeconômicos são mais importantes em como uma criança vai se desenvolver, não quantos pais têm ou o sexo deles. Muitos acreditam que todos os filhos criados em famílias de mães solteiras ou de duas mães se transformarão em loucos sem controle. Sem um pai em casa, ou eles se transformarão em fracos ou filhinhos da mamãe, a despeito da situação financeira da família em particular. Eu descobri que isso simplesmente não é verdade.

DIÁRIO – Na opinião da senhora, qual a função do pai na educação de um menino?
PEGGY – Os meninos não precisam de um amigo adulto ou alguém em casa que lhes ensinem como brincar com uma bola. Eles não precisam de um modelo masculino em casa, ou no quarto da mãe, para ensiná-los a se tornarem homens.  Garotos constroem o caráter somente com a base que bons pais, incluindo uma boa educação, vinda de qualquer sexo, provê. Nós vivemos em um mundo que tem homens e mulheres e acho que os homens são muito importantes para os meninos. Mas um filho que foi amado vai se aventurar com confiança e encontrará sozinho o apoio adicional que ele precisa. O que ele não encontrar em casa, vai descobrir na sociedade. Há muitos modelos, bons e maus, na escola, no parquinho, em livros e na televisão para que uma criança descubra. É muito importante para os meninos ter homens de quem eles são íntimos por perto enquanto crescem. Experiências de paternidade não precisam ocorrer com  o pai morando junto. Avós, padrinhos ou o representante equivalente em sua religião, tios, amigos da família, treinadores de esportes, professores e responsáveis podem prover essa figura, brincando, aconselhando, amando, compartilhando fantasias infantis e instruindo-os sobre como é ser um homem. Os meninos são beneficiados em escolher seus modelos masculinos de inúmeras fontes. Isto serve como um antídoto para a intensidade de muitos relacionamentos estressados, distantes ou hostis que alguns meninos de famílias tradicionais têm com seus pais. Mas os garotos com laços seguros com seus responsáveis, sejam homens ou mulheres, não estão mais sob risco de vivenciar a mesma carência paterna dos meninos que têm pais emocionalmente ausentes.

DIÁRIO – E quanto aos pais divorciados? A distância entre a criança e um dos pais interfere de que maneira em seu desenvolvimento?
PEGGY – Há um mito de que os filhos de pais divorciados certamente fracassarão na vida. É como uma família age e não como ela é composta que determina se os filhos terão sucesso ou fracassarão. As crianças que vivem os altos conflitos do divórcio dos pais,  em que há muito estresse, antes e depois da separação, não se desenvolvem da mesma maneira que aquelas que têm pais que não entram em grandes conflitos, se dão bem e mantêm os interesses dos filhos em mente durante toda a separação.

DIÁRIO – Você acredita que os homens são dispensáveis?
PEGGY – Claro que não. Eu acredito que as qualidades masculinas e femininas de fato são qualidades humanas. Boa criação é essencial para os filhos – meninos e meninas – seja vinda de homens ou mulheres.

DIÁRIO – Seu livro foi alvo de diversos ataques na sociedade norte-americana. Na sua opinião, o que lhes incomodou tanto?
PEGGY – Esses ataques vieram de pessoas que não leram meu livro e pensaram que eu estava dizendo que homens não eram necessários. Se eles tivessem lido a obra, entenderiam que eu estava dizendo que as crianças precisam de bons pais, sejam homens ou mulheres. A realidade é que como a família age, não a maneira como ela é composta que determina se a criança terá sucesso ou fracasso. O número de vezes que um dos pais (mãe e/ou pai) janta com seus filhos é um indicativo melhor de como eles se tornarão, do que quantos pais estão presentes na mesa de jantar. Eu acabei vendo que pais bons, amáveis, e que encorajam o menino a crescer é tudo o que eles precisam.


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