Samoa. O país onde existe um terceiro género

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Jorge Mangorrinha

Mala de viagem (155). Um retrato muito pessoal da Samoa

Há quem assegure que a origem do nome Samoa seja “moa”, que significa “centro”, portanto, na língua samoana, Samoa pode ser traduzido como “centro sagrado do Universo”. O atual Estado Independente de Samoa apenas ocupa a parte ocidental do arquipélago, anteriormente Samoa Alemã, enquanto as ilhas orientais foram chamadas Samoa Americana. Mais tarde, a Samoa Alemã foi renomeada Samoa Ocidental e, depois, simplesmente Samoa (1997). Este facto irritou os habitantes da Samoa Americana, por considerarem que tal facto implicou a apropriação do nome de todo o arquipélago, de forma que ainda hoje continuam a ser tratados como “ocidentais” para os diferenciar da Samoa Oriental. Uma das histórias mais interessantes relacionadas com este território passou-se no final do século XIX. Robert Louis Stevenson, autor da “Ilha do Tesouro” (1882), mudou-se para Samoa em 1890, para tentar amenizar, neste clima tropical, os efeitos devastadores da tuberculose que o afetou. Conta-se que o escritor admirava profundamente os samoanos e sempre se posicionou a seu favor quando enfrentaram o implacável poder colonial da época. A sua amizade com os locais rendeu-lhe a reputação de ser um homem de grande “manas” (poderes sobrenaturais), tanto assim é que, após a sua morte, a casa onde viveu passou a ser respeitada como um templo sagrado e tornada, posteriormente, numa casa-museu. Este recurso comunitário dedicado a dar a conhecer melhor a personalidade, a obra e o legado de Stevenson, existe desde 1969, mas dez anos depois o museu mudou-se para instalações mais espaçosas e permanentes numa nova ala da Biblioteca Pública de Santa Helena – “Não há terra estrangeira; só o viajante é estrangeiro”, escreveu Robert Louis Stevenson. O representante no encontro de especialistas em turismo na Nova Zelândia, na sua apresentação, saiu-se com este desafio: “Quem vier ao nosso país pode usar saias todos os dias que ninguém leva a mal.” Não leva a mal, digo eu, mas “lavalava”, que é o nome da indumentária de muitos homens, e aceite nas ilhas. Não sei se é por este facto que este país talvez seja o único do mundo a assumir um terceiro género, chamado “Fa”afafine”, homens que, embora segundo a cultura ocidental sejam vistos como afeminados, não são considerados nem homem, nem mulher, nem homossexual. Certo é que na Samoa pode muito bem acontecer alguém se oferecer para se sentar no próprio colo de outro passageiro de autocarro, se não houver lugar disponível, sem que isso seja estranho e tenha qualquer constrangimento – “É um gesto de humanidade!”, relatou o representante do país naquela reunião. De facto, homens com saias, a admissão oficial de um terceiro género e a prática do colo nos transportes públicos só são possíveis mesmo no “centro sagrado do Universo”. Valha-nos um qualquer Deus!

Jorge Mangorrinha, professor universitário e pós-doutorado em turismo, faz um ensaio de memória através de fragmentos de viagem realizadas por ar, mar e terra e por olhares, leituras e conversas, entre o sonho que se fez realidade e a realidade que se fez sonho. Viagens fascinantes que são descritas pelo único português que até à data colocou em palavras imaginativas o que sente por todos os países do mundo. Uma série para ler aqui, na edição digital do DN.

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