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“Foi um ato de amor, mas também um ato político”. Essa convicção une os três casais homoafetivos que aceitaram conversar com a Agência Brasil sobre os 10 anos da decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de que nenhum cartório no Brasil poderia recusar a celebração do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Desde 14 de maio de 2013, portanto, esse registro civil deixou de ser um privilégio de pessoas heterossexuais.
Otávio e Fernando, Fabia e Gabi, Toni e David. Os casais que você vai conhecer melhor nessa reportagem estão entre os 76.430 que registraram a união em cartório desde 2013 em todo o país. Uma média de 7,6 mil casamentos por ano: 56% entre casais femininos e 44% entre casais masculinos. A lista dos estados com mais celebrações é liderada por São Paulo (38,9%), seguido pelo Rio de Janeiro (8,6%), Minas Gerais (6,6%), Santa Catarina (5%) e Paraná (4,6%). Os números são da Central de Informações do Registro Civil (CRC Nacional), administrada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil).
Até 2011, os cartórios eram obrigados a pedir uma autorização judicial para registrar uniões homoafetivas. E a sorte do casal dependia do magistrado que julgasse o caso, que em muitos casos negava o pedido. A justificativa era a ausência de lei, que, vale lembrar, continua não tendo sido contemplada no Congresso Nacional. O que mudou em 2011 foi uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que igualou uniões estáveis homoafetivas às heteroafetivas. Mas foi só a partir da Resolução nº 175, de 2013, do CNJ que foi autorizado o casamento civil em todos os cartórios do país.
Otávio e Fernando
Quando Otávio Furtado (44 anos, jornalista) e Fernando Gomes (44 anos, advogado) decidiram que era a hora de se casar, havia a certeza de que seria preciso travar longa disputa judicial. O ano era 2012 e apenas a união estável homoafetiva era oficialmente permitida no país. Os poucos que tinham conseguido o registro civil de casamento tinham entrado com ações na Justiça. Mas por uma coincidência feliz, a união foi oficializada de forma mais simples e rápida do que pensavam.
“A gente deu entrada nos papéis em maio de 2013 e normalmente o processo todo levava 30 dias, que era o tempo padrão para o Ministério Público manifestar se existia algum tipo de irregularidade. Isso para qualquer casal, inclusive hétero. Nesse tempo, a CNJ determinou que nenhum cartório poderia negar o registro para casais homoafetivos. E o nosso pedido foi o primeiro a ser aprovado no estado do Rio”, lembra Fernando.
Em julho, eles estavam legalmente casados e, em setembro, celebravam em uma festa com amigos e família. Todo o processo até o dia cerimônia acabou despertando nova consciência no casal. Eles contam que até, então, não tinham passado por situações mais graves de homofobia. O que admitem ter muita relação com algumas posições de privilégio: são homens, brancos, de classe média, morando em um bairro como Ipanema, que concentra um número grande de pessoas LGBTQIA+.
“Eu sempre falava que não queria ficar levantando bandeira por ser gay. E o nosso casamento foi a grande virada de chave na minha vida. Pela primeira vez, de forma repetida, eu tive que lidar com situações de homofobia. Na hora de organizar o casamento, por exemplo, a maior parte dos fornecedores não estava preparada para celebrar uma relação homoafetiva. E tinha de tudo, desde a pessoa que achava que na cerimônia ia descer uma drag queen do teto, até as pessoas que perguntavam quem ia fazer o papel da noiva”, conta Otávio.
A partir desse conjunto de experiências, os dois passaram a se preocupar com pautas que iam além da própria “bolha”.
“A gente pensava no casamento como um momento só nosso. E começou a perceber que era egoísmo pensar daquele jeito. Na cerimônia, uma das nossas madrinhas falou de como nossa decisão iria atingir outras pessoas. E aí, mais uma vez, caiu a ficha de que aquilo também era um ato político, que já tinha começado lá atrás quando a gente decidiu registrar em cartório. Outras situações foram surgindo e mostrando que eu deveria aprofundar esse caminho do ativismo. Usar o nosso privilégio para abrir portas a outras pessoas”, afirma Otávio.