‘Mais que Amigos’ mostra códigos da cultura gay no formato de comédia romântica

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Por Pedro Butcher

Com um humor ácido e afiado, Billy Eichner foi abrindo espaços como ator, escritor e produtor na competitiva cena cultural nova-iorquina. A partir do sucesso de um espetáculo teatral em formato talk show chamado “Creation Nation”, em 2005, ele foi conquistando participações na TV e no cinema até se tornar parte do elenco fixo da série “Parks and Recreation”, entre 2013 e 2015.

Engajado politicamente (liderou uma campanha para incentivar o voto da juventude nas eleições intermediárias de 2018) e militante da comunidade LGBTQIA+, Eichner se propôs o desafio de conceber uma comédia romântica com personagens gays que fugisse dos padrões do gênero.

Em “Mais que Amigos”, que chega ao canal Telecine na esteira do mês do orgulho LGBTQIA+, Eichner empresta sua persona ao protagonista Bobby, apresentador do podcast “O 11 Tijolo” (referência à arma usada contra a polícia pelos frequentadores do bar Stonewall, no célebre episódio que transformou 28 de junho em uma data de luta histórica) e chefe do conselho do Museu LGBTQIA+ de Nova York, que está em fase de montagem.

Na apresentação do personagem, que inclui uma retrospectiva das propostas de trabalho que recebeu, está o encontro com um executivo de Hollywood que lhe pede “uma história de amor de gay que as pessoas hétero possam gostar”, afinal “amor é amor”. A conversa culmina com Bobby abandonado a sala: “Não sou a pessoa certa para escrever uma comédia romântica, de qualquer maneira”.

Aos poucos, entendemos que a proposta de “Mais que Amigos” é como uma resposta a essa entrevista de emprego fracassada, que facilmente poderia não ser ficcional. Eichner, também roteirista do filme (dirigido por Nicholas Stoller), quer imaginar uma “rom com” que respeite as características de uma certa cultura gay. Aplicativos de encontro, relacionamentos a três, sexo com vários parceiros, festas com música eletrônica, injeções de testosterona, crossfit, disputas por protagonismo entre as siglas da comunidade, além, é claro, de uma cultura nerd específica (a obsessão por divas e musicais, por exemplo) estão no centro da trama e da maior parte das piadas.

Eichner mistura tudo isso com alguns bons resultados, como as brincadeiras em torno de aplicativos de encontros (destaque para o Zellwegger, que promove matches entre gays fãs de atrizes) e as ácidas reuniões do conselho do Museu LGBTQIA+. Debra Messing, ícone da série “Will & Grace”, faz uma participação especial interpretando a si mesma, e há outras participações afetivas, como as de Harvey Fierstein. Eichner consegue, inclusive, construir algumas boas piadas com soluções visuais, uma raridade em comédias românticas, em geral tão radicalmente centradas nos diálogos.

Menos convincente, no entanto, é sua tentativa de escapar das convenções quando entra em cena a variável “romance”. Em uma festa, Billy conhece o advogado especializado em testamentos Aaron, interpretado por Luke Macfarlane (galã da série/novela “Brothers & Sisters”, que saiu do armário em 2008). O processo de envolvimento dos dois é marcado por um vai e vem que seria o reflexo das especificidades da cultura gay à qual Eichner quer se manter fiel: o desapego à ideia do amor romântico, a independência, o desejo de ter uma vida sexual livre.

Os primeiros encontros têm sua graça e traduzem a vontade de Eichner de se manter fiel a determinado universo. Enquanto a trama se faz valer de recursos como os “desaparecimentos” de Aaron nos primeiros contatos na festa, as conversas que marcam as diferenças entre os dois (Aaron é fã de Garth Brooks e da franquia “Se Beber, Não Case”), ou os dilemas entre o comprometimento afetivo e o sexo livre, Eichner parece deslizar confortavelmente por um terreno que conhece bem. Mas tomba quando precisa encaminhar sua trama para um desfecho.

O formato aparentemente rígido dos gêneros cinematográficos parece dizer que só há um desfecho possível — especialmente nas comédias românticas. Mesmo as mais subversivas quase sempre cedem no formato rígido da separação/reconciliação e um sugerido ou explícito “felizes para sempre”. Se Eichner não foge à regra e compromete o trecho final de seu roteiro com soluções tão frágeis quanto pouco convincentes, essa derrapada não chega a invalidar de todo o seu esforço.

Mais que Amigos – (EUA, 2022) Dir: Nicholas Stoller. Telecine. Avaliação: ***

Site Valor GLOBO


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