Quando o assunto é homossexualidade

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Mirtes Helena
Editora Adjunta

Quando descobriu que seu filho era gay, Edith Modesto
não nega: sofreu muito. Mas encontrou um caminho para
não sucumbir nem se vergar diante da vergonha e dos
preconceitos: buscar informações, tentar aprender e
entender a homossexualidade. A partir daí, nasceu o
livro ‘Vidas em Arco-íris – depoimentos sobre a
homossexualidade‘ (coleção Contra.luz, ed. Record),
onde ela conta as experiências de homens e mulheres
gays, anônimos e famosos. Hoje, esta professora
universitária aposentada sabe que o processo de
confecção do seu trabalho foi uma espécie de
‘ruminança‘, um jeito de aprofundar e refletir sobre o
tema em busca do único e melhor final: a aceitação.
Desta forma, além dela própria e de sua família, Edith
está abrindo mentes e corações de outros tantos pais,
mães e irmãos que, muitas vezes por ignorância, deixam
escapar o que poderiam ter sido afetuosas e
gratificantes relações. Edith Modesto é paulista,
casada, tem sete filhos, é doutora em semiótica pela
USP e tem 11 livros de ficção juvenil publicados.

Primeiro quero saber: por que o livro? O que o
detonou? Qual foi o clic, o mote para iniciá-lo?

Há 14 anos, quando eu soube que meu filho era
homossexual, pirei! Foi um verdadeiro ‘tsunami‘ na
minha vida! Algum tempo depois, comecei a procurar
recursos para me sentir melhor. Primeiro, comprei
vários livros sobre o assunto. Eram livros teóricos,
que faziam pesquisa com linguagem muito acadêmica, e
não me ajudaram grande coisa. Nessa época, eu já
estava conversando com jovens gays em um forum sobre
homossexualidade que descobri na Internet. Fiquei dois
meses só lendo, sem coragem de me manifestar. Até que
um dia, me apresentei e lhes fiz algumas perguntas.
Eles tiveram paciência comigo, me adoraram mesmo. Daí
tive a idéia de escrever um livro a partir de
depoimentos dos homossexuais. E esses jovens gays
foram os primeiros a me incentivar. Paralelamente, eu
também tinha muita vontade de conversar com outra mãe
como eu e não conseguia. E me veio a idéia de fundar
um grupo de pais de homossexuais para que conversassem
sobre o assunto, para que um apoiasse o outro com
solidariedade, amizade… Então fundei o GPH – Grupo
de Pais de Homossexuais _ o primeiro do gênero do
Brasil e que, hoje conta com quase 70 pais e mães
([email protected])

O subtítulo do seu livro é ‘depoimentos sobre a
homossexualidade‘. O que pretendem esses depoimentos?
Defender? Explicar? Pedir ajuda? Repartir
experiências? Com que propostas você chegou às pessoas
pedindo o depoimento delas?

Meu objetivo foi saber mais sobre a homossexualidade e
os homossexuais, para maior conhecimento sobre o
assunto e também para colocar o tema em discussão para
que as pessoas, e eu mesma, revíssemos conceitos
arraigados e, hoje sei, enganosos, sobre a
homossexualidade. Quis saber quem eram os
homossexuais: o que pensavam, como viviam, como se
sentiam, o que almejavam…

De que conceitos enganosos você está falando?

O maior deles talvez seja o de achar que a
homossexualidade é uma escolha. Cientificamente, ainda
não se sabe muito sobre o assunto, mas já se sabe que
não é opção. No livro isto fica claro. Tanto que a
maioria tem muitas dificuldades de se auto-aceitar. Se
pudessem escolher seriam heterossexuais. Outro engano
desfeito foi o de que os gays são gays por problemas
psicológicos e precisam se tratar. Até mesmo meu filho
chegou a entrar nessa e quis fazer terapia. Na
verdade, a homossexualidade é natural e espontânea.

São mitos que foram sendo consolidados ao longo do
tempo, não é?

Exatamente. Outro mito é que a homossexualidade pega:
se um adolescente anda com um gay, também vai virar
gay. E aprendi também que a prática da
homossexualidade é diferente de ser homossexual.
Explico; uma mulher heterossexual, na cadeia, pode ter
relações sexuais com uma companheira. Mas, quando ela
sair, vai procurar um homem. Ou: meninos que fazem
troca-troca. Isso é simplesmente experimentação da
sexualidade e não significa homossexualidade.

Você acha que o mundo está andando muito lentamente na
questão do preconceito contra os homossexuais?

Parece que o mundo anda muito devagar em relação a
todo tipo de diversidade. Há poucos dias, terminei de
escrever um livro – uma ficção juvenil – que conta a
história de uma garota negra. Mesmo depois de um ano
de pesquisa, vi que deixei escapar, sem perceber,
claro, preconceitos racistas em mim introjetados
durante minha vida. Sobre as homossexualidades,
atualmente, em algumas capitais como São Paulo e Rio,
percebe-se uma grande melhora no modo de ver a
diversidade sexual. Mas nas cidades do interior, por
exemplo, as pessoas ainda são muito preconceituosas em
relação a isso.

Na sua opinião, os homossexuais estereotipados que
fazem o gênero ‘bicha louca‘, ajudam ou atrapalham a
causa gay? Isso é abordado no livro?

Todos os assuntos são abordados no ‘Vidas em
Arco-íris‘. Esse também. No livro, percebe-se que a
própria comunidade homossexual, em parte, tem
preconceito contra essas pessoas. Só não concordo em
generalizar que eles ‘façam o gênero bicha louca‘. E,
mesmo aqueles que fazem, só nos mostram as
conseqüências terríveis do preconceito e da
discriminação que sofreram.

Existe uma causa gay?

Existe e deveria ser defendida também pelos
educadores, políticos e pelo governo. Respeitar as
minorias é um dever cívico.

Tenho um amigo gay que defende publicações próprias,
espaços específicos, uma verdadeira militância gay.
Segundo ele, essa é a melhor política, a única capaz
de acabar com o preconceito. O que acha?

Penso que tudo bem cada comunidade ter publicações e
espaços dirigidos, como os judeus, os orientais, por
exemplo, também têm. As pessoas se sentem bem entre
iguais. Mas isso não pode ser entendido como um gueto.
Os homossexuais são pessoas como todos e não devem ser
discriminados. Eu não acredito que a militância
consiga acabar totalmente com o preconceito, mas pode
conseguir o respeito das pessoas para com os
homossexuais, desde que seja feito um trabalho mais
político em benefício deles.

Uma vez vi um programa na TV de pais contando como
souberam que seus filhos eram gays e parece que há,
sim, um sofrimento grande. Que dor é essa? Medo de
vê-los sofrer? Culpa? O que o seu livro fala sobre o
assunto?

No livro surgem histórias de pais de todos os tipos.
Alguns têm mais facilidade de aceitar um(a) filho(a)
homossexual, a maioria tem menor facilidade de
aceitação e poucos não os aceitam de todo. A nossa
cultura não nos preparou para ter filhos homossexuais.
É uma quebra de expectativa muito grande, um enorme
desconhecimento sobre o assunto. Tudo isso faz com que
os pais sofram. Em parte por medo de vê-los sofrer, em
parte por terem seus sonhos desfeitos.

Há quem diga que a aceitação de um filho ou filha gay
é mais difícil para o homem. Como seu marido reagiu?

De certa forma, melhor do que eu, que tive que correr
atrás do tema, escrever um livro e fundar um grupo
para aceitar. Meu marido aceitou, mas parou no meio do
caminho. Não gosta muito de falar sobre o assunto,
acha que isso é da individualidade do nosso filho. A
gente não pode generalizar, mas parece que as coisas
acontecem mais assim: as mães tentando entender, os
pais se fechando. A última etapa da aceitação dos pais
é perder a vergonha dos amigos, dos vizinhos. Muitas
vezes eu me calava quando a conversa era sobre gays
porque não tinha coragem de falar do meu filho. É
muito difí
cil: quando os filhos saem do armário, os
pais entram.

Muitos estão à procura da causa, do motivo que faz com
que as pessoas sejam gays. É aquela velha pergunta: é
escolha ou destino? Como seu livro trata isso?

A totalidade dos meus entrevistados, homossexuais
homens e mulheres, de 14 a 62 anos, garante que a
homossexualidade é uma condição natural e espontânea
do ser humano e faz parte da diversidade sexual
humana. Portanto, não é uma escolha, nem doença física
ou problema psicológico. Eu também acredito nisso.

Depois de todos esses depoimentos, o que acha que os
homossexuais precisam para ser mais felizes?
Compreensão? Aceitação?

Se não fosse o preconceito e a discriminação que
sofrem, os homossexuais teriam a mesma dificuldade
para serem felizes que os heterossexuais têm. Os
sonhos deles são os mesmos que os nossos, de acordo
com os depoimentos do ‘Vidas em Arco-íris‘. Eles
desejam saúde, amor, paz e serem bem sucedidos em sua
profissão.

O que seu filho achou do livro?

Ele amou o livro, claro, e tem o maior orgulho da mãe.
Foi o que mais me incentivou e sabe o valor deste
trabalho. Ele sofreu muito com a minha intolerância no
início. Hoje sei que escrevi este livro como um
caminho para a aceitação.

Como as doenças sexualmente transmissíveis são
tratadas no livro?

Alguns entrevistados têm experiência com Doenças
Sexualmente Transmissíveis, inclusive a Aids, e falam
dessas doenças em seus depoimentos. É muito comovente
saber que há pessoas que se apaixonam por outras HIV
positivo e como elas lidam com isso.

E a bissexualidade? Como ela está no livro?

A bissexualidade faz parte da diversidade sexual e
também aparece no livro. É interessante ver como a
própria comunidade homossexual tem preconceito contra
os bissexuais. No livro, a bissexualidade muitas vezes
aparece como um recurso para amenizar a
homossexualidade de muitos.

Seu trabalho chegou a alguma conclusão? Pretendia
chegar? O que fica dele no final?

Durante os cinco anos que trabalhei no livro, várias
vezes pensei em escrever uma conclusão. Mas percebi
que, com ela, estaria tomando partido, o que evitei em
todo o trabalho. Assim, me coloquei o mais neutra que
consegui e deixei para cada leitor tirar suas próprias
conclusões dos depoimentos que leu.

Você é autora de livros juvenis paradidáticos. Pensa
em escrever sobre a homossexualidade?

Estou engatilhando uma história, mas confesso que é
preciso cuidado. Tenho que bolar uma história que seja
convincente e que seja contada com delicadeza. É um
projeto difícil.


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