Os Árabes e a Homossexualidade

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Na atualidade, os países árabes ocupam uma triste liderança: são os locais do mundo onde existem mais leis, e mais severas, de repressão aos homossexuais. Recentemente a imprensa internacional divulgou o caso de 52 rapazes do Egito que foram presos numa discoteca dentro de um navio que navegava pelo rio Nilo. 23 deles foram condenados a três anos de trabalhos forçados. Motivo de seu julgamento: desrespeito à religião oficial que condena não só os atos homossexuais, como também freqüentar uma discoteca gay. No Afeganistão, Irã, Iraque, Sudão e emirados árabes, ainda persiste a pena de morte contra os amantes do mesmo sexo, variando de país para país a forma de castigar a estes “criminosos”: nalguns países os homossexuais são condenados à pena dos açoites, levando centenas de varadas em praça pública. Em outros países muçulmanos os gays condenados à morte são degolados ou enforcados, noutros, como no Afeganistão e Iraque, são soterrados debaixo de um  muro de pedras que é derrubado sobre a infeliz vítima.
A inspiração e justificativa para tanta crueldade é o livro sagrado dos árabes, o Corão. Neste livro, segundo Maomé, Alá teria determinado que os “sodomitas” fossem perseguidos, seguindo a mesma tradição do Antigo Testamento da Bíblia, que atribuiu a destruição de Sodoma e Gomorra à ira divina contra a licenciosidade sexual dos habitantes destas duas cidades. O curioso é que segundo o Corão, Alá teria criado o homem, moldado seu corpo a partir da mistura do esperma com o terra  não explicando porém de onde teria saído o sêmen, permitindo-nos concluir ou que havia um reservatório deste líquido no paraíso, ou  que Alá teria extraído  de seu próprio corpo este  líquido que  segundo a tradição bíblica era considerado impuro. Dá para entender?
O que chama a atenção ao se discutir sobre a homossexualidade nos países árabes ou de tradição islâmica é que segundo os historiadores, houve uma evolução negativa nestes países na maneira como tratam o amor entre pessoas do mesmo sexo. Documentos comprovam que época houve em que os homossexuais eram tratados como mais respeito.
Nos muitos séculos que os muçulmanos ocuparam o sul da Espanha e Portugal, entre o século VIII até às vésperas da descoberta da América,  aí floresceu significativa cultura homoerótica, incluindo a produção de poesias e escritos  defendendo abertamente o homoerotismo, havendo grande tolerância destas  sociedades face a prática homossexual, sendo o padrão mais comum a pederastia clássica, isto é, a interação homoerótica de homens adultos  com rapazes adolescentes. Era tão comum a pederastia entre os orientais  naquela época,   que na Europa acreditava-se  que a própria religião de Maomé permitia a prática homossexual, e quando um cristão era preso pela inquisição, o fato de ter viajado pelos países muçulmanos o tornava suspeito de ter praticado a sodomia, de tal modo era valorizado esta variável amorosa na terra dos “infiéis”.
Talvez uma das explicações desta “má fama” dos árabes seja decorrente do que hoje os estudiosos chamam da forte presença da “homossociabilidade” nestas plagas. Em muitas destas sociedades patriarcais, predomina o padrão educacional e social, que separa rigidamente o mundo masculino do feminino. Mulher é para ficar em casa, geralmente com o corpo inteiro coberto, escondendo inclusive a face quando sai na rua. Nestas sociedades, predomina nosso ditado popular:  “homem com homem, mulher com mulher, faca sem ponta, galinha sem pé…”
Assim sendo, os homens desenvolveram certas práticas de intimidade e sociabilidade que um ocidental desinformado imediatamente consideraria como altamente suspeita de homossexualidade. Por exemplo, é comum homens andarem de mãos dadas, passeando tranqüilamente pelos parques e calçadas nas ruas. Quando dois amigos se encontram, trocam  beijos em ambos lados da face. Na Turquia e outros países vizinhos, os “banhos turcos” são igualmente espaços privilegiados para a homossociabilidade. Quando Judas beijou o Cristo, estava praticando  um gesto comum no Oriente Médio: um homem beijar outro homem.
Embora tais gestos de carinho e intimidade física entre árabes e muçulmanos no mais das vezes sejam “inocentes” e destituídos de qualquer conotação homoerótica, não há como se negar que são gestos evidentes de homossociabilidade, podendo  nalguns casos mascarar atração e tesão autênticos como o que sentem dois  parceiros homossexuais.
A fama da prática generalizada e mais freqüente da homossexualidade  nos países árabes levou e continua levando muitos ocidentais a atravessarem o Mediterrâneo à cata dos fogosos machos árabes, seja da África do Norte ou do Oriente Médio, que segundo o imaginário ocidental, demonstrariam total ou maior receptividade a práticas homossexuais.   Uma das celebridades precursoras deste encantamento pelo mito da homossexualidade islâmica foi o escritor francês André Gide, que no Marrocos teria vivenciado grandes aventuras com os nativos em pleno século XIX. O general inglês Lawrence da Arábia, seria outro fascinado pelos homens peludos e de pele escura das areias do deserto do Saara. O poeta  Lord Byron, idem.
Apesar deste passado francamente favorável ao amor entre varões, e da presença documentada de travestis em muitas sociedades de tradição arábica, hoje lastimavelmente, tais países lideram o  ranking  mundial da intolerância homofóbica. Passado tolerante não implica sempre que o  presente seja igualmente tolerante, haja visto a vizinha Grécia  terra considerada quase como a matriz da homossexualidade ocidental, tanto masculina quanto feminina, e que não obstante passado tão pederástico e lésbico, hoje compartilha a mesma homofobia dominante dos países arábicos ou muçulmanos.
Em Paris tive oportunidade de conhecer diversos travestis originários do Marrocos, Argélia e demais países norte-africanos, que faziam prostituição na região de Pigale. Disseram-me que em seus países de origem, não havia espaço para a prática do travestismo, e que muitos após acumularem recursos suficientes,  retiravam a prótese de silicone dos peitos, cortavam os cabelos, se desfaziam de suas roupas e adereços femininos, retornando para suas terras como rapazes, casando-se e abandonando a vida homoerótica. Se nunca mais tiveram uma recaída, acredite quem  quiser!

(In Mott, Cronicas de um gay assumido. Ed.Record, 2003.


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