Como é ser mulher, lésbica e candomblecista na periferia?

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Andressa Andrade busca promover o letramento sobre diversidade sexual e de gênero e sonha em viver livremente ao lado de sua companheira.

Tem sido emocionante acompanhar, ao longo das primeiras semanas de junho, a repercussão das matérias que abordam as histórias de mulheres e corpos femininos de periferia. Ver quantas pessoas se reconhecem nas narrativas de nossas entrevistadas é mais um motivador para continuarmos a erguer nossas vozes e compartilhar nossas vivências, em toda sua pluralidade. E nossa terceira entrevistada deste especial do mês do Orgulho é Andresa Andrade, mulher, negra, lésbica, candomblecista e trabalhadora da assistência social e da saúde mental. Ela nasceu em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, mudando-se muito nova para o bairro do Jardim Santo André, no município de Santo André, também pela região. Cresceu com sua mãe, pai e dois irmãos, tendo muito presente a referência e influência de sua avó materna. Dona Lourdes foi mãe de santo em uma casa de Umbanda durante 84 anos, falecendo já centenária na idade de 104.

© arquivo pessoal

Andressa – foto reprodução

A jornada de Andressa em direção ao candomblé começou através de sua irmã, Iyá Vera, que sentiu a necessidade de iniciar-se na religião quando tinha em torno de 20 anos. Embora a mudança para um culto de matriz africana tenha gerado preocupações por parte da família, todos os irmãos acabaram se aproximando do Axé Batistini, uma casa de raiz tradicional na região do ABC. Hoje, Andressa ocupa o cargo de Iyarobá, uma posição feminina com responsabilidades e atribuições relacionadas ao Orixá Xangô. No candomblé, há um importante rito de passagem representado pelo processo iniciático, pelo qual o adepto renasce para seu Orixá e se torna um membro ativo da comunidade religiosa. Para Andressa, esse momento ocorreu quando ela já estava mais velha, aos 32 anos, em um “ato de amor a Xangô”, como ela descreve. Como mulher lésbica, Andressa relata que não enfrentou resistências dentro de sua religião: “Todos me respeitam muito, e tenho uma relação muito positiva com meus irmãos de santo e minha Iyálorisà”.

Andressa descobriu sua sexualidade ainda na adolescência, por volta dos 16 anos. Na época, enfrentou dificuldades em aceitar a si mesma: “Eu tive minhas próprias resistências, tanto que, em determinado momento, procurei refúgio na Igreja Católica”. A revelação para a família ocorreu mais tarde, aos 22 anos, influenciada pelo relacionamento com Renata, sua companheira há 18 anos. Embora tenham se conhecido na infância, nunca tiveram uma amizade próxima. Anos depois, quando adultas, se reencontraram na casa de uma amiga em comum e nunca mais se separaram. O relacionamento foi marcado por desafios e descobertas para ambas as partes: “Ela era heterossexual e nunca tinha ficado com outra mulher”, lembra Andressa. Na jornada de aceitação pela família, Andressa destaca a importância de Dona Lourdes: “Minha avó fez com que eu entendesse que poderia ser quem eu quisesse. Ela já tinha 80 anos na época e disse: ‘Você é minha neta, e eu te amo de qualquer forma’”. A partir da postura da matriarca, os irmãos e demais familiares acolheram Renata como parte da família. A mãe de Andressa, Dona Irene Aparecida da Silva de Andrade, tornou-se uma verdadeira parceira de vida, sempre apoiando e defendendo sua filha. A escolha de trabalhar na área da assistência social e saúde mental também foi influenciada pela mãe, que sonhava em ver a Iyarobá como enfermeira.

© arquivo pessoal


© arquivo pessoal

Infelizmente, a família de sua esposa não teve a mesma postura: “A família dela foi e ainda é muito difícil, cheia de preconceitos. Mas eu entendo que são pessoas com pouca educação formal”. Com base em sua experiência, Andressa relata como os temas relacionados à diversidade sexual e de gênero chegam de forma fragmentada à periferia: “Você precisa sair desse espaço periférico e buscar informações, e muitas pessoas não têm essa oportunidade”, o que, em sua visão, dificulta o relacionamento de algumas famílias com seus filhos LGBTQIA+. Andressa também destaca que os espaços de lazer na periferia muitas vezes não são acolhedores para corpos com diversidade sexual e de gênero. Em seu estabelecimento, o “Bar do Espeto”, em sua comunidade, ela observa que “o público LGBT é bastante presente, mas não frequenta o bairro, pois o bar da periferia não é acolhedor para essas pessoas”. Apesar de sua experiência pessoal positiva como mulher lésbica cisgênera nas casas de candomblé, Andressa ressalta que “ainda não é um ambiente totalmente acolhedor. Precisamos fazer as pessoas entenderem um pouco mais sobre o assunto. É importante promover essas discussões para que todos compreendam que esse espaço é para todos. Os Orixás aceitam todos, independentemente de sua identidade”.

Quanto ao futuro, Andressa sonha em ter sua própria casa ao lado de sua companheira, enquanto continua avançando em sua carreira na área da saúde mental no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) e se aproximando ainda mais de sua religião. “Quero ser feliz como uma mulher negra, lésbica e candomblecista, ocupando meu espaço sem nenhum problema. Caminhar ao lado de minha companheira sem medo. Viver verdadeiramente livre. Já sou livre, mas acredito que merecemos ainda mais”. Para outras meninas e mulheres lésbicas nas periferias, ela enfatiza a importância de acreditar em si mesmas: “Sejam fortes e continuem sendo as mulheres guerreiras que somos. Não desistam, pois desistir não é uma opção para nós”.

Victória Dandara é travesti, cria da zona leste de São Paulo (SP), pesquisadora em direitos humanos, advogada transfeminista e filha de Oyá. Foi uma das primeiras travestis a se graduar em direito na USP e hoje luta não só pela inclusão da população trans e travesti, mas por uma emancipação coletiva a partir da periferia e da favela.

Nós mulheres da perifería


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