Cabeleireiro é investigado por MP e polícia por ofender negros, obesos e gays em áudios: ‘Não contrato preto’, ‘gorda’ e ‘viado’

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Por Kleber Tomaz

O Ministério Público (MP) e a Polícia Civil de São Paulo investigam por suspeita de racismo, homofobia e discurso de ódio um cabeleireiro e empresário da capital paulista acusado de ofender negros, pessoas obesas, gays, feministas e petistas em áudios que circulam nas redes sociais (ouça acima).

Pelo menos três vítimas, todas cabeleireiras, citadas na gravação registraram boletim de ocorrência. Duas delas foram ouvidas nesta terça-feira (7) pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), do Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP).

O Grupo Especial de Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância (Gecradi) do MP também acompanha as investigações.

“Eu não contrato preto”, “gorda” e “viado”, diz Diego Beserra Ernesto, empresário e dono de um salão de cabeleireiros em Perdizes, bairro nobre da Zona Oeste da cidade. Ele é um homem branco.

Ana, o local do cabeleireiro, Diego — Foto: Divulgação e Reprodução/Arquivo pessoal e Google Maps

Ana, o local do cabeleireiro, Diego — Foto: Divulgação e Reprodução/Arquivo pessoal e Google Maps

Os áudios com ofensas racistas, gordofóbicas e homofóbicas feitas por Diego em 12 de janeiro deste ano foram gravados pelo proprietário do espaço e enviados por um aplicativo de celular para Jeferson Dornelas, um homem negro de 49 anos. Ele também é cabeleireiro e alugava uma das salas do estabelecimento de Diego para atender suas clientes.

Segundo Jeferson, a mensagem foi enviada por Diego em resposta a um comentário que ele havia feito sobre uma cabeleireira que havia desistido da vaga de auxiliar no salão. Ela é Ana Carolina Alves de Sousa, uma mulher negra de 31 anos.

Em 11 de janeiro, Ana tinha sido entrevistada por Jeferson, que decidiu contratá-la. Mas, no dia seguinte, a profissional mandou mensagem para ele informando que não iria mais trabalhar lá, sem dar muitos detalhes.

Assim que mandou um recado para Diego lamentando a desistência de Ana, Jeferson contou que recebeu o seguinte áudio do dono do lugar:

Eu não contrato gordo. Eu não contrato petista, eu não contrato preto. Cê tá entendendo? Mas, no caso do preto. por quê? Porque alguns se fazem de vítimas da sociedade”.

“No caso dali, a mulher, tem duas coisas, mano: gorda e preta. Ela não cuida nem do próprio corpo, entendeu? Como é que vai ter responsabilidade na vida? Não tem”, comenta o empresário, na gravação.

Após isso, segundo Jeferson, Diego continuou as ofensas contra negros, ao enviar mais áudios, citando inclusive ex-funcionários dele.

“Tem gente que… a partir do dia que o Rodrigo virou pra mim e falou assim: ‘Você está me escravizando, eu tô cansado de ser escravo’… ele é, tipo moreno, entendeu?! E tive um outro auxiliar também negro… e tive problema. Então não me interprete mal, mas, mano, essa é minha linha de raciocínio hoje”, diz o dono do salão no áudio.

Rodrigo é o cabeleireiro Rodrigo da Silva Lemos, um homem negro e gay de 29 anos que já trabalhou para Diego. O outro auxiliar negro mencionado no vídeo não foi identificado.

Nas conversas pelo WhatsApp, Diego gravou mais declarações preconceituosas contra Ana.

Inclusive [tem]cabelo curto, é feminista”, fala o proprietário do espaço. “Não tô generalizando falando que todas são… Mas tem uma grande probabilidade de ser feminista. Feminista é um saco. Você não pode falar nada”, declara.

Homossexuais também foram alvo de Diego, que riu ao enfatizar sua aversão a eles em mais um áudio: “Esqueci de falar, mano. Não contrato mais viado [risada]. Principalmente viado. Viado… mas nem fudendo. Não contrato mais. Só se a pessoa estiver mentindo, tá ligado?!”

Os áudios foram revelados nesta semana pelo ativista Antonio Isuperio na página dele e dos Jornalistas Livres, nas redes sociais. Ele encaminhou a denúncia também ao Ministério Público. Depois, as vítimas procuraram delegacias para registrar boletins de ocorrência por injúria racial.

O g1 também teve acesso as gravações e ouviu todos os envolvidos.

‘Estou sendo massacrado’, diz dono de salão

Ministério Público de São Paulo investiga empresas suspeitas de fraudar IPTU/GNews — Foto: Reprodução GloboNews

Ministério Público de São Paulo investiga empresas suspeitas de fraudar IPTU/GNews — Foto: Reprodução GloboNews

Procurado para comentar o assunto, Diego pediu ao g1, por mensagem: “Por favor apurem todos os fatos antes de publicar algo”, “Estou sendo massacrado, eu e minha família estamos recebendo muitas ameaças”. Ele ainda sugeriu que seu advogado fosse procurado para falar do caso.

“Estou analisando todo o contexto e vou me pronunciar no momento oportuno”, disse o advogado José Miguel da Silva Júnior, que também é negro e defende os interesses do dono do salão. “Esse áudio…, existe todo um contexto, que eu estou de posse de outros áudios e vou escutar, dentre outras mensagens, como a suposta vítima…. Aí, no momento correto, entre amanhã [quarta]e depois, eu vou estar me manifestando.”

Nem Diego nem José Miguel contestaram em nenhum momento a veracidade dos áudios que viralizaram na web.

Pedi para a Decradi chamar as vítimas e ouvi-las para investigar a denúncia de crimes de racismo, entre outros. A delegacia especializada foi acionada após eu ter conhecimento desses áudios por meio de reportagens que saíram na imprensa”, falou ao g1 a delegada Ivalda Aleixo, diretora do DHPP.

A promotora responsável por investigar o caso é Maria Fernanda Balsalobre Pinto. Ela não quis falar com o g1 sobre o tema.

As penas para os crimes de injúria racial, racismo, homofobia e discurso de ódio podem variar, cada um deles, de 2 a 5 anos de prisão. A diferença entre a injúria racial e o racismo é que o primeiro crime ocorre quando as ofensas racistas são contra um indivíduo, e o segundo quando elas são direcionadas a um grupo.

Dono de salão se desculpa

DHPP funciona dentro do Palácio da Polícia Civil, no Centro de São Paulo — Foto: Divulgação/Polícia Civil de SP

DHPP funciona dentro do Palácio da Polícia Civil, no Centro de São Paulo — Foto: Divulgação/Polícia Civil de SP

Após a repercussão do caso, com a veiculação dele em outros órgãos de imprensa, Diego gravou um novo áudio para Jeferson, segundo o cabeleireiro, se desculpando pelo que disse.

“Alô Jeferson, tudo bem? Estou te mandando esse áudio, cara, pra me retratar com você. Eu tô aqui pra pedir desculpa, de coração. Se você se sentiu ofendido de alguma forma, e também para todas as pessoas que tiveram acesso aos áudios…”, diz Diego na gravação. “Eu nunca tive a intenção de ofender ninguém.”

“Infelizmente eu tive algumas falas preconceituosas, racistas…”, fala o dono do salão. “Não teria por que trabalharmos juntos… Sempre eu tive um relacionamento, uma relação de parceria mesmo… como eu virei pra você e já falei mil vezes: ‘Você sempre foi um paizão aqui pra gente. Aprendi muito com você.”

“Eu peço desculpas pra você e pra todos que se sentiram ofendidos e estou extremamente arrependido por todas as minhas falas, desculpa mesmo, de coração”, termina Diego.

Prédio do Ministério Público de São Paulo, no Centro de São Paulo — Foto: Divulgação

Prédio do Ministério Público de São Paulo, no Centro de São Paulo — Foto: Divulgação

O g1 procurou ainda Jeferson, Ana e Rodrigo para comentarem o assunto. Veja abaixo o que cada um eles disse:

Jeferson: vítima de racismo

“Eles usam sempre do mesmo mecanismo”, disse Jeferson, vítima de racismo, sobre o pedido de desculpas que recebeu de Diego. “Depois, vir pedir essas desculpas esfarrapadas… eu fiquei quase um ano lá ouvindo essas coisas. E ele nunca se importou.”

Não tem desculpas isso, não tem diálogo, não tem nada disso. Ele tem que pagar criminalmente pelo que ele fez. Achei péssimo. O certo é ele não fazer”, comentou Jeferson que, depois do que aconteceu, deixou o salão.

Rodrigo: vítima de racismo e homofobia

“A gente tentava relevar, amenizar situações. Às vezes era atitude crítica em relação ao cliente, a gente tentava falar: ‘Não fala isso perto do cliente, não é legal. Não fala de política por que a gente sabe que você é bolsonarista. Então é melhor não ficar falando porque as clientes, nem todo mundo é do mesmo partido político que você'”, falou Rodrigo, vítima de racismo e homofobia, sobre o empresário.

Eu me senti muito mal. Eu vou buscar providências, vou procurar os meus direitos. vou atrás disso e vou ver o que pode ser feito”, disse o cabeleireiro. “Eu me senti muito abusado, mediante a situação, por conta das condições de trabalho que a gente tinha… eu acho que a justiça tem que ser feita.”

Ana: vítima de racismo e gordofobia

 

Ana — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

Ana — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

“Eu fui fazer uma entrevista com o Jeferson. E lá eu conheci o Diego. O Diego chegou no salão e me cumprimentou balançando a cabeça. Eu senti que ele se sentiu incomodado com a minha presença. Me olhava com desdém, como se não estivesse gostando que eu estivesse no estabelecimento dele”, declarou Ana, vítima de racismo e gordofobia.

“Depois disso, eu me senti acuada de voltar a ir trabalhar lá porque eu fiquei incomodada. Eu pensei que era coisa da minha cabeça porque o Jeferson era uma pessoa negra também. Então essa ideia de racismo, de preconceito, não tinha passado na minha cabeça ainda. Até eu ouvir o áudio que eu achei numa rede social. Foi quando eu entrei em contato com o Jeferson”, falou a profissional.

Me senti constrangida, me senti violada, eu me senti excluída. Fiquei arrasada também, muito triste. É um assunto que eu ainda não consegui falar com meu filho”, lamentou a cabeleireira.

G1.Globo


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