Assuma que você não se importa com seu amigo gay

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Ruth Manus

Retratos e relatos do cotidiano

E que seus ódios são maiores do que seu amor por ele

Dentre as tantas preocupações que assolam a cabeça de qualquer pessoa lúcida no atual cenário do Brasil, algumas vêm me afligindo de forma mais particular. Uma delas, sem dúvida, é pensar no que estão sentindo, nesse momento, cada um dos meus amigos e familiares que são homossexuais ou bissexuais.

Não falo apenas das dúvidas em relação ao futuro, do medo profundo de episódios de violência e das preocupações com os rumos das políticas públicas. Eu me pergunto o que se passa, atualmente, dentro da cabeça deles, imaginando o tamanho da angústia que se instalou em seus peitos, não apenas por causa de toda a incerteza que estamos vivendo, mas sobretudo por causa das máscaras que estão caindo.

Quem é próximo de alguém que é gay, sabe- ou pelo menos faz ideia- do que eles atravessaram para ser o que são- se é que algum deles, de fato, tem liberdade para ser verdadeiramente genuíno dentro dos seus dias. As dificuldades de auto aceitação, os medos das reações dentro da própria família, o lento revelar perante os amigos, os cuidados com a exposição no ambiente de trabalho.

Sei que para eles nunca parece que está realmente tudo bem, tudo certo, seguro e acomodado. Se como mulher eu já sei disso, imagino o que sente alguém que é homossexual. Mas sim, para muitos deles a coisa parecia estar minimamente estável, sendo possível tocar a vida, acordar cedo, trabalhar, tomar uma cerveja, viver um amor. Com algum receio sempre, mas não em pânico.

E então, quase de repente, a pouca serenidade que havia em suas vidas simplesmente escoou pelo ralo. As pessoas que pareciam caminhar ao seu lado optaram por seguir rotas que se afastam, seja por um grito escancarado e dolorido de apoio ao ódio, seja pelo silêncio conivente de quem não está disposto a lutar por você.

A caminhada, em si mesma, já parece mais obscura, com perigos escondidos atrás das moitas, com velhos fantasmas que regressaram, com novos monstros que pisam duro enquanto marcham em suas direções. A estrada parece infinitamente mais perigosa e seu percurso mais solitário.

Como disse um amigo meu, a vida, de um momento para outro, tornou-se uma espécie de castelo de cartas: tudo o que parecia estar construído se desfez: direitos, pessoas, rotinas, apoio, proteção. O que parecia estar conquistado, seja em termos de convívio social, seja em termos de aceitação pelos outros, começa a parecer uma grande ilusão.

Assisti um vídeo que dizia que a verdadeira tolerância tem a obrigação de não tolerar a intolerância. Tolerar condutas intolerantes é, sim, apoiar a intolerância. A ideia de não tomar partido, é, na verdade, a escolha de um lado: o lado que não defende quem precisa ser defendido. Ademais, tolerância é algo muito diferente de acolhimento. E por parte das pessoas de quem gostamos, esperamos ser acolhidos e não meramente tolerados.

Eu sei que está difícil. Mas vocês não estão sozinhos. Sei que as decepções estão brotando em frente a vocês o tempo todo. Sei que essa história de separar o joio do trigo dói- e não é pouco. Sei que está dando medo, até para as coisas mais simples da vida. Sei que é duro descobrir que o ódio por um partido pode ser maior do que o amor por você. Mas nós, que nos importamos, olharemos uns pelos outros, daremos as mãos e seguiremos caminhando. Há quem tenha permanecido na estrada.

 

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