‘A comunidade LGBTQ+ é parte da realidade; não tem como frear’

0

por Carol Alves

Em entrevista ao Destak, Isabella Taviani fala sobre a fase tranquila de sua carreira, e a expansão de suas referências dentro e fora da música.
Aos 50 anos, Isabella Taviani está prestes a aumentar sua família. Ela e sua mulher, Myllena Varginha, estão esperando os gêmeos Estevão e Ignácio, que nascem agora em setembro. Mas esse não é a única mudança importante da sua vida: no final desse ano, a cantora lança um novo disco [que ainda não teve nome divulgado]e explora novas referências – que falam diretamente com a fase tranquila que ela está vivendo na sua vida. Em entrevista ao Destak, Taviani vai ao passado para contextualizar o presente, abordando sua vida familiar, seu novo trabalho e até mesmo porquê fazer um cover da música ‘Se Eu Fiquei Esperando Meu Amor Passar’, do Legião Urbana.

‘Se Eu Fiquei Esperando Meu Amor Passar’ foi lançada em 1989 e anos depois você resolveu regravar. Como você considera que ela é relevante nos dias atuais? 

Eu acho que Renato Russo é um poeta que faz muitas falta nos dias atuais, assim como Cazuza. Ele tinha uma maneira rebelde, analítica e politizada de viver as coisas – que ao mesmo tempo era doce e intensa. Essa ausência de um letrista que leva a música até esse lugar me fez achar que eu deveria regravar essa canção. Além disso, sempre que eu escuto uma música e ela me causa um sentimento mais forte, como um arrepio, sinto que devo regravar com meu estilo. Não foi nada premeditado: estava na minha casa arrumando os CDs, vi ‘As Quatro Estações’ e quando coloquei para tocar me senti tomada por essa energia. Assim, regravei de uma maneira mais simples, voz, violão e violoncelo.

Você mencionou que o objetivo desde o começo era pegar a música e dar uma cara nova, que tivesse haver com você. Como foi pegar algo tão conhecido e único e reformular? 

Eu acho que é um processo natural. Eu não sou uma compositora que não grava muito ou faz muitas releituras de outros artistas, gosto de cantar as minhas músicas. De vez em quando eu entro nesse campo, como foi com a minissérie “Amazônia” onde fiz “Vira Mundo”, ou com “Ternura”, que é um grande sucesso da Wanderléa, ou até o “Sob Medida”, onde acabei regravando algumas coisas da Fafá de Belém. Depois, eu fui para os Estados Unidos e fiz um tributo aos Carpenters com várias participações especiais, e assim vai… quando eu resolvo regravar alguma coisa, tento de qualquer forma de assinar embaixo. Se não fosse assim, o que iria somar mais uma versão dos clássicos do Legião Urbana? Mudar é uma maneira de mostrar a outra face da mesma canção. E claro que uma boa música pode ter várias faces, mas no caso o que eu estou interessada é mostrar a minha face…

Ano passado você comemorou 15 anos de carreira e isso com certeza te influencia a buscar projetos mais desafiadores, certo? 

Desde que eu parei de trabalhar em uma grande empresa, quis tomar frente na minha personalidade musical e o que eu realmente gostaria de cantar. Sempre busquei novas oportunidades e caminhos alternativos, até mesmo na época do ‘Raio X’, que gravei entre 2010 e 2011. Como cantora lírica sempre trabalhei muito a extensão vocal, com canções mais leves e pessoais. Eu sempre tento mudar a cara e coloração dos meus trabalhos: já fiz bolero, já brinquei com música celta. No lugar comum, eu sei que tenho o jogo ganho. É por isso que sempre tento mudar. Com 15 anos de carreira nas costas, tenho segurança para me arriscar ainda mais.

Dito isso, o que podemos esperar do seu próximo álbum, que sai no final desse ano?

Estou compondo ao lado da Myllena e o álbum vem como um tom que é mais psicodélico, mais dançante e até um pouco mais moderno. Eu sempre vou ser uma cantora mais convencional, que compõe nesses termos e não adianta, não pretendo mudar isso, as baladas continuam lá. Mesmo assim, busquei inspirações diferentes dessa vez. Gravei mais da metade do disco na Argentina, com músicos de lá. Isso influenciou muito na hora de ditar o tom do disco porque eles tem um jeito muito diferente de produzir. Tem uma música, inclusive, chamada de ‘Luar de Prata’, que tem uma pegada bem rural, diferente. Se fossemos gravar por aqui, ela com certeza teria ficado com cara de sertanejo, e eu não queria seguir esse caminho. Já eles me trouxeram uma musica mais regional argentina. É muito interessante você reparar nessas diferenças. De certa forma, isso faz a cara do novo disco. Ele fala sobre os meus 15 anos de carreira – que agora já são 16, e reforça que tipo de interprete eu sou: aquela que muda de roupagem de acordo com a necessidade da música.

Você disse que procura sempre inovar, mas que sempre vai ser uma compositora convencional. Você pode falar um pouco sobre o seu processo criativo? Já que elas são sempre muito intimas e pessoais…

Eu escrevo muito como se fosse um diário de confissões. É minha maneira de falar sobre o que eu estou sentido e sobre as pessoas que estão ao meu redor. Eu gosto sempre de falar do lado humano, fazer observações sobre sentimentos que são abstratos. Mas existem formas diferentes de falar sobre essas questões. Eu sempre tento falar de dor de uma forma mais leve, ou do amor de uma forma mais bonita sem ser exagerado ou meloso demais. O meu tempo de estrada me fez perceber os nuances desses sentimentos. Eu lancei o meu primeiro álbum com 33 anos de idade e na minha cabeça eu nunca iria fazer sucesso naquela altura. Então, quando eu finalmente cheguei no topo, vim com uma voracidade muito grande. Existia um desespero enorme em gritar minhas posições para as pessoas, contar ao que eu vim e isso só acalmou com o passar do tempo, até porque minha vida mudou muito. Minha vida amorosa hoje é calma, tranquila e vou ser mãe de gêmeos agora em setembro… agora percebo que posso falar das minhas dores com um certo distanciamento. Quando quero uma Isabella mais hardcore, revisito as desilusões do passado mas sempre mantendo ela na coleira [risos].

Seus gêmeos nascem em setembro… isso com certeza influenciou sua música, certo? 

Gravei meu último disco antes de descobrimos da gravidez, sendo que o começo de fertilização começou em outubro do ano passado. Mas eu sinto que premeditei certas coisas no trabalho. Eu não posso te contar o nome do disco porque se não a Myllena me mata [risos], mas sinto que falei muito sobre a passagem de tempo e da leveza que estou sentido nessa época da vida. Mesmo assim, já fiz duas músicas para os babys… uma delas, é até curioso, fiz pensando que iriamos ter um casal, como tinham falando para nós. E a canção tinha o nome da Antonella e do Ignácio. Mas acontece que hoje é Ignácio e Estevão. Talvez na hora que eles nascerem isso vá me influenciar ainda mais. Nasce uma mãe, quando nasce um bebê. E só vou me descobrir mãe de verdade quando olhar para eles. A perspectiva desse momento me dá um medo, porque sou responsável por outra pessoa no mundo, mas ao mesmo tempo me dá tranquilidade, porque eu não preciso mais ser sensacional, não preciso mais procurar mais fama ou dinheiro. Chegou minha hora de relaxar.

No começo da sua carreira as pessoas que comparavam muito com outras cantoras do MPB. Isso é algo que te incomodou? 

Antigamente era bastante irritante essas comparações – e bem implicante também. Se você liga o rádio hoje, todas as vozes ali parecem ser completamente iguais. Não vou citar nomes, mas muitas colegas tem a mesma timbragem. E ninguém fala disso. Mas por causa do momento, isso acabou acontecendo comigo. Sempre achei muito cruel. Inclusive, um crítico em específico veio anos depois me pedir desculpas, disse que tinha realmente pegado pesado comigo. Eu sempre tento ser vanguardista, me descolar de tudo. Acho que, hoje, não existe mais esse tipo de comparação. Acho que era uma coisa bem inicial, primário. Antigamente, eu queria ganhar o mundo, mas não iria conseguir fazer isso na base do grito, apenas pela técnica, responsabilidade, crescimento… e hoje meu trabalho é bem distanciado e tenho tranquilidade das diferenças. Então, eu realmente sofri muito com isso, mas hoje estou melhor. As pessoas realmente gostavam de fermentar a desigualdade. Ninguém se importa mais com isso, não cabe a ninguém comparar.

Você é mulher, LGBT e faz música em um Brasil que está completamente caótico. Você sente a pressão de viver em uma época como essa? 

Eu estaria mentindo se eu dissesse que sinto pressão, porque eu nunca senti. As únicas pessoas na qual sinto que devo satisfação é minha família – e eles sempre foram maravilhosos, me deram muito amor. Mas a cada dia temos que nos unir, as mulher precisam se unir, mostrar sua força. Não temos que ficar focadas em um movimento individual, de maneira nenhuma. O mundo é muito penoso e cruel contra as mulheres no geral. A história já começa errada desde sempre, com Adão e Eva e toda essa história. Eu sinto que a comunidade LGBT é parte da realidade. Eu, Myllena e os gêmeos são parte de uma família moderna, que são diferentes entre si. Não tem como frear isso, ninguém freia o amor.


Deixe um comentário ou dica do que gostaria que pudéssemos trazer de novidade para vocês. E se curte nosso CANAL faça uma doação de qualquer valor para que possamos continuar com esse trabalho.

PIX: (11) 98321-7790
PayPal: [email protected]

TODO APOIO É IMPORTANTE.

Compartilhar.

Sobre o Autor

DEIXE UM COMENTÁRIO

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.