‘Me Chame Pelo Seu Nome’ e a beleza agridoce do cinema LGBT

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Armie Hammer e Timothée Chalamet expõem a beleza do amor gay jovem que fez ‘Moonlight’ e ‘Carol’ brilhar.

Sob alguns aspectos, é injusto comparar esses três filmes quando tantos de seus elementos específicos diferem. Carol trata de duas mulheres brancas na Nova York da década de 1950; Moonlight conta a história de um garoto negro que chega à idade adulta num bairro pobre da Miami contemporânea, e Me Chame Pelo Seu Nome é sobre jovens eruditos e viajados em 1983, uma época em que a América era dominada pelo conservadorismo de Reagan. Juntos, contudo, eles exemplificam o quadro em que hoje se inserem os romances gays no cinema. Nenhum dos personagens principais morre; ninguém é castigado abjetamente por seus desejos. Cada um desses filmes termina com um raio de esperança agridoce – e isso é algo que não pode ser dito em relação à maioria dos filmes queer ao longo da história, mesmo filmes excelentes como O Segredo de Brokeback Mountain, Filadélfia, Direito de Amar, Almas Gêmeas e Garotos de Programa.

Existe outra semelhança entre Me Chame Pelo Seu Nome, Moonlight e Carol: eles não oferecem emoções “mastigadas” ao espectador. Não há nenhuma cena de desmaio ou de encontro romântico e bonitinho entre Elio e Oliver, Chiron (representado, quando adulto, por Trevante Rhodes) e Kevin (André Holland) em Moonlight ou Carol (Cate Blanchett) e Therese (Rooney Mara) em Carol. Em cada um dos casos, o amor entre os dois vai se construindo aos poucos, através de olhares de relance. O que é dito muitas vezes é mais importante que o que não é dito. A maioria dos flertes é clandestina, de qualquer jeito: um beijo roubado à beira de um lago, um encontro casual numa praia tarde da noite, uma viagem de carro que leva as pessoas para lugares onde não conhecem mais ninguém. Para esses personagens, o romance anda de mãos dadas com a autodescoberta e é consequência dela. Pelo fato de esses filmes não seguirem as normas previsíveis de Hollywood, foram descritos erroneamente como “frios”.

“A cultura dominante precisa de tradução emocional para entender certos tipos de histórias que não são suas e para sentir-se emocionalmente protegida e receber o tipo certo de ‘receita’ de reações emocionais a vivenciar”, disse ao HuffPost no mês passado o diretor de Carol, Todd Haynes. “Se essa receita não lhe é dada, o filme é classificado como cult. É como se as pessoas pensassem ‘vou sentir por esses personagens se eu tiver uma reação habitual, esperada, mas se eu não tiver essa reação, é um problema’. Todos precisamos alimentar a sociedade dominante para que ela se sinta melhor.”

O caso de amor entre Elio e Oliver só chega ao auge quando o verão está se aproximando do fim. Aluno do pai de Elio, um acadêmico (Michael Stuhlbarg) que recebe estagiários anualmente na residência de campo da família no norte da Itália, Oliver toma o cuidado de não esticar sua estadia demais. “Se você soubesse o pouco que eu sei sobre as coisas que têm importância”, diz Elio a Oliver, finalmente indicando que o que ele sabe menos é como exprimir a atração que sente. Essa sentença crucial lembra o que Carol fala a Therese: “Que menina estranha você é, parece que foi jogada do espaço”. E evoca Chiron, adolescente, falando com Kevin no crepúsculo: “Tenho vontade de fazer muitas coisas que não fazem sentido”.

Essas palavras cheias de emoção formam a essência dessas histórias e revelam a essência dos anseios reprimidos de toda pessoa gay. Nada faz sentido, especialmente quando fica sufocado sob olhares escondidos na mesa do café da manhã.

“Eu conhecia a trajetória emocional que eles estavam seguindo”, disse Luke Guadagnino, conhecido por dramas sensuais como Um Sonho de Amor e Um Mergulho no Passado, falando ao Deadline. “Um frio na barriga é a sensação mais linda que é possível ter, não?”

Os personagens de Me Chame Pelo Seu Nome, Moonlight e Carol não podem se postar diante da janela da pessoa amada, como o Romeu de Shakespeare ou John Cusack em Digam o Que Quiserem. Eles não vão invadir um casamento para provar o amor que sentem, ao estilo de Dustin Hoffman em A Primeira Noite de Um Homem. Não haverá discursos sobre o amor verdadeiro, como em Um Lugar Chamado Notting Hill, Casablanca, Harry e Sally – Feitos Um Para o Outro ou Orgulho e Preconceito. Não há frases bregas, nada de “você me completa”. Esse tipo de gesto é público demais.

Em lugar disso, o amor vai se intensificando pouco a pouco. Elio fala a seus pais que é falta de educação o fato de Oliver se despedir geralmente com um informal “later” (vejo vocês mais tarde). Numa boate, ele não para de olhar para Oliver, que está dançando com uma mulher. Ele rabisca bilhetinhos dizendo coisas como “não suporto o silêncio”. Sai de um lago usando a Estrela de Davi de Oliver pendurada em seu pescoço. Esse tipo de indício geralmente seria mais óbvio numa história de amor heterossexual, em que melhores amigas podem discutir seus amores exaustivamente e adivinhos ou cartomantes podem ajudar a eletrizar uma atração ainda nascente.

Como a espera foi tão torturante, há poucos momentos de emoção tão poderosa quanto o do primeiro beijo de Elio e Oliver, dado quando Elio decide que não pode mais se satisfazer com flertes escondidos. E não há uma cena final como a de Carol, em que Carol sorri docemente enquanto Therese caminha em sua direção, confirmando que elas vão apostar em seu relacionamento, sim, apesar dos muitos obstáculos colocados pela sociedade. Usando a linguagem sutil do anseio LGBT, essas personificações de autoaceitação nos proporcionam alguns dos momentos mais comoventes do cinema moderno.

“Quando os dois personagens se abraçam pela primeira vez [no terceiro capítulo de Moonlight], vemos Trevante colocar a mão sobre as costas de André Holland, sobre a camisa dele”, disse o diretor Barry Jenkins ao HuffPost no ano passado. “Nesse gesto podemos entender como é fascinante e assustador para Chiron finalmente olhar aquele homem nos olhos, depois de dez anos. … Para mim, foi realmente importante mostrar a ternura. … Havia algo sobre a natureza daquele ambiente e a qualidade corpórea de dois homens se tocando.”

Ao mesmo tempo em que mais encontros homossexuais acontecem na tela, a visibilidade gay ainda é um campo de batalha. É um fato revelador que apenas um filme LGBT por ano consegue romper a barreira indie. Foi apenas em 2017 que a atenção coletiva dada a Beach Rats, A Guerra dos Sexos, 120 Batimentos por Minuto, Reino de Deus, Princess Cyd e Thelma perdeu para a de Me Chame Pelo Seu Nome, ungido o favorito depois de sua première em Sundance em janeiro passado. Mesmo assim, esses filmes – incluindo 120 Batimentos Por Minuto, que fala de Aids – criam personagens que se recusam a ser vítimas.

Me Chame Pelo Seu Nome mostra a beleza do processo de começar a conhecer algo novo. “Desperdiçamos tantos dias”, diz Elio a Oliver quando o amor deles finalmente floresce plenamente. O armário os roubou parte do tempo já limitado que eles poderiam ter passado juntos. Como canta Sufjan Stevens em Mystery of Love, uma balada tocada no filme, “Quanta tristeza consigo suportar? / Pássaro preto no meu ombro / e que diferença faz / quando este amor acabar?” O verão tem que chegar ao fim, e então corações serão partidos. Mas aquele encantamento irresistível será para sempre. Sob muitos aspectos, a história está apenas começando. Tudo é um close doloroso.

 

http://www.huffpostbrasil.com/2018/02/01/me-chame-pelo-seu-nome-e-a-beleza-agridoce-do-cinema-lgbt_a_23350498/


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