1º. Transexual a ocupar um cargo público no México

CIDADE DO MÉXICO, 22 Fev (AFP) – Até anos atrás, ele era um repórter conhecido pelo caráter combativo e o estilo Jim Morrison, com calças e jaqueta de couro. Hoje se chama Gloria Hazel Davenport e é o primeiro transexual no México a ocupar um cargo público federal.
Desde 1º de fevereiro passado, Gloria chefia o departamento de contato com ONGs do Conselho Nacional para a Prevenção da Aids (Censida, na sigla em espanhol), da secretaria de Saúde do México (SSA).
“Sou a ligação entre as ONGs e a Censida. Tenho uma suplência de seis meses, com chance de disputar uma vaga em concurso, que se passar seria incorporada”, disse à AFP Gloria, cuidadosamente maquiada, usando saia e medindo quase 1,90 metro com seus sapatos de salto alto.
Com formação de jornalista no México e em Cuba, Gloria, que prefere omitir seu nome masculino, trabalhou como repórter na agência mexicana de notícias, Notimex.
Há quatro anos, deixou este trabalho e decidiu finalmente sair do armário.
“Disse a mim mesma: já vivi mais de 30 anos como homem para dar uma satisfação à sociedade. Quero ser mulher pelo resto da minha vida”, explicou.
Gloria surpreendeu seus colegas jornalistas porque nunca mostrou atitudes femininas e inclusive era conhecido por se dar tapas quando as coisas ficavam difíceis.
“Sempre, desde menino, me senti mulher. Dizia, ‘Quando crescer, quero ser mulher’. Vestia a roupa da minha irmã por baixo do uniforme escolar. Meu pai quis, com surras, fazer de mim um homem”, revelou.
Ao longo da primeira etapa de sua vida, Gloria tinha vida dupla. No trabalho, era um repórter agressivo, enquanto nos dias livres dava vazão a seu lado feminino.
Ao contrário da maioria dos transexuais, Gloria não se sente atraída por homens.
“Tive muitas namoradas e há vários anos vivo com uma mulher espetacular; Ela sempre soube como sou. E sempre fui fiel a ela”, explicou.
Gloria se casou simbolicamente em 14 de fevereiro – Dia dos Namorados no México – com a mulher de sua vida durante uma cerimônia celebrada na capital mexicana por pessoas de várias opções sexuais.
Agora, a funcionária do Censida está mergulhada no processo jurídico para mudar legalmente seu nome e sua identidade sexual.
“Espero que em quatro meses o juiz decida para poder mudar todos os meus papéis oficiais”, explicou.
Também se submete a um tratamento hormonal, mas lamenta a impossibilidade de ter filhos.
“É algo que sempre quis, espero algum dia poder adotar”, acrescentou.
Gloria garante que o México deu alguns passos contra a discriminação de pessoas com diferentes opções sexuais.
“Temos algumas leis na questão, a secretaria de Saúde lançou spots contra a homofobia e houve assistência jurídica para um homossexual que foi demitido da Coca-Cola”, enumerou.
Mas, explicou, faltam reformas para permitir a união de pessoas do mesmo sexo, não só permitir a mudança legal de nome, mas de gênero, entre outras coisas.
Na sociedade, comentou, ainda persistem algumas atitudes de deboche e agressão com relação às pessoas de diferentes preferências sexuais.
“Minha estatura me prejudica porque com 1,90 (metro) usando salto sou muito visível, mas também me ajuda porque ninguém se mete com um ‘transex’ deste tamanho”, continuou, a gargalhadas.
Um dos seus maiores orgulhos é ter obtido, com seu nome de mulher, um diploma por um curso sobre leis contra a discriminação do prestigiado Instituto de Pesquisas Jurídicas da Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM).
“É o único certificado de estudos como Gloria e o recebi de Gilberto Rincón, do Conselho contra a Discriminação, e Diego Valadés, ex-procurador do México e ex-ministro” da Suprema Corte, afirmou.
O maior reconhecimento de Gloria é para o Censida. “Fui contratada porque sou uma pessoa preparada e não olharam para aparências. Mas também, acredito, mandaram um sinal: chega de discriminação”, afirmou.