Como a pauta LGBT busca resistência dentro do governo de Jair Bolsonaro

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Para ativistas, a melhora nessa área se faz urgente diante do número de violência contra pessoas LGBT no Brasil

Na primeira semana de governo de Jair Bolsonaro, mudanças na estrutura do Ministério de Direitos Humanos e a declaração da ministra Damares Alves, sobre “meninas usarem rosa e meninos usarem azul”, deixaram em alerta parte da comunidade LGBT. Diretora da área no governo Michel Temer, Marina Reidel afirma que as ações contra LGBTfobia serão mantidas e defende o diálogo para evitar ruídos.

“A partir da medida provisória, continua o Conselho Nacional [de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais]e a Diretoria. Mudou o nome porque era Secretaria da Cidadania, mas as pautas todas continuam”, assegurou Reidel ao HuffPost Brasil, sobre a Medida Provisória (MP) 870, publicada em 1º de janeiro, que não incluiu LGBT entre as secretarias do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

A MP 870 estabelece 8 secretarias para o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos: Mulheres, Família, Criança e Adolescente, Juventude, Proteção Global, Igualdade Racial, Pessoa com Deficiência e Idosos.

A Diretoria de Assuntos LGBT ficará dentro da Secretaria de Proteção Global, que será comandada por Sérgio Augusto de Queiroz, servidor público e fundador da Fundação Cidade Viva, instituição filantrópica. O novo secretário não tem familiaridade com o tema, mas sua nomeação tem sido vistas com bons olhos por integrantes da estrutura atual.

“Ele me pareceu uma pessoa dialogável. Não que concorde ou discorde [de suas posições], mas tem argumentos. Tem capacidade de empatia”, afirmou ao HuffPost Toni Reis, presidente da Aliança Nacional LGBTI+. Reis participou, junto com Queiroz, Damares e Reidel de uma reunião em 20 de dezembro.

De acordo com a diretora da área LGBT, Queiroz garantiu que há intenção de continuar com projetos, principalmente ligados ao combate à violência contra LGBT. A elaboração de ações, contudo, ainda está em ritmo lento. O novo secretário só assume em fevereiro. “É cedo. Precisamos fazer uma reunião e construir um projeto”, afirma Reidel.

Entre as ações programadas da diretoria para 2019 está uma pesquisa das condições das pessoas LGBT no sistema carcerário. O estudo será concluído até outubro.

Outra frente será uma capacitação de funcionários do Disque 100, canal de denúncias do Ministério de Direitos Humanos, além de campanhas educativas para população. Em novembro, foi feita uma oficina com gestores de estados para modificar o fluxo das denúncias, diante das fragilidades do sistema atual.

Usuários do Disque 100 enfrentam falhas no atendimento, desde questões técnicas até o encaminhamento da denúncia aos órgãos responsáveis. Na gestão estadual, muitos servidores responsáveis não têm preparo para atender a vítimas de LGBTfobia. Além disso há uma fragmentação das informações. A maior parte das delegacias não registra orientação sexual, identidade de gênero, nome social ou mesmo a motivação do crime contra pessoas LGBT, o que inviabiliza um diagnóstico preciso do problema.

Para ativistas, a melhora nessa área se faz urgente diante do número de violência contra pessoas LGBT no Brasil. Em 2017, os canais de denúncia oficiais do ministério somaram 1.876 casos. Dados extra-oficiais, por sua vez, classificam o Brasil como o país que mais mata pessoas LGBT no mundo.

Os levantamentos do Grupo Gay da Bahia, que se tornaram referência na área, mostram que, em 2017, 445 lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais foram mortos em crimes motivados por homofobia. O número representa uma vítima a cada 19 horas no Brasil.

Não há contudo, uma mobilização do Ministério diante da ação no STF (Supremo Tribunal Federal) que pode criminalizar a homofobia. O julgamento está previsto para fevereiro. Para o movimento LGBT, a mudança significaria um avanço. “A ausência de lei não quer dizer a ausência de direito. Pela omissão do Legislativo, o Supremo tem essa função de suprir essa lacuna”, defende Toni Reis.

Ideologia de gênero

Após circular nas redes sociais um vídeo em que Damares fala que o Brasil está em uma “nova era” em que os meninos vestem azul e as meninas vestem rosa, a ministra disse que a frase foi uma “metáfora contra a ideologia de gênero” e defendeu o respeito à identidade biológica da criança.

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais disse em nota que a declaração da ministra “fere a liberdade individual, o direito à autodeterminação e a dignidade da população trans”.

O termo “ideologia de gênero” tem sido usado por Bolsonaro, apoiadores e setores conservadores nos últimos anos, mas não há uma definição clara sobre a expressão. “Ideologia de gênero é uma falácia (…) Vamos ter que discutir bem o que o Estado entende por esse termo”, disse Toni Reis. O Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT, do qual a Aliança Nacional LGBTI+ faz parte, irá se reunir com a ministra em fevereiro.

Sexo, gênero e ‘ideologia de gênero’

O termo “ideologia de gênero” apareceu pela primeira vez em um documento eclesiástico em 1998 na Conferência Episcopal do Peru. A informação consta do artigo “Ideologia de gênero: a gênese de uma categoria política reacionária – ou a promoção dos direitos humanos se tornou uma ‘ameaça à família natural’?”, de Rogério Diniz Junqueira, da UnB (Universidade de Brasília).

Segundo o especialista, o termo faz parte de uma “retórica reacionária antifeminista” e, apesar da origem católica, foi construído a partir da mobilização de “figuras ultraconservadoras de conferências episcopais de diversos países, movimentos pró-vida, pró-família, associações de terapias reparativas (de ‘cura gay’) e think tanks de direita”.

As ciências sociais nos últimos anos têm feito uma distinção entre sexo e gênero. O primeiro está relacionado a questões anatômicas e biológicas. O segundo trata-se de uma construção social do sexo biológico. A Constituição Federal, escrita em 1988, usa o termo “sexo”.

A identidade de gênero, por sua vez, é uma experiência pessoal de autopercepção. Uma pessoa que se identifica com o gênero determinado no momento do nascimento é cisgênero, em oposição às pessoas transgênero, transexuais e travestis.

Já a orientação sexual se refere à atração por outras pessoas. O termo é usado em vez de “opção sexual” por especialistas da área porque o entendimento é que a construção da sexualidade é iniciada na infância, quando o ser humano ainda não possui capacidade avaliativa plena.

Na avaliação do diretor da Aliança Nacional LGBTI+, a estratégia dos ativistas é investir no diálogo. “Vamos ter inteligência racional para manter os direitos conquistados a duras penas nesses últimos 20 anos. Tivemos uma pequena vitória que foi a manutenção das estruturas [no Ministério]. Ela [Damares] tinha se comprometido na primeira reunião de transição e cumpriu.”

De acordo com o ativista, Damares se mostrou uma pessoa inteligente e aberta ao diálogo e caso não seja possível chegar a pontos em comum, o Legislativo, o Judiciário e o Ministério Público podem atuar.

“O desespero e pânico do segundo turno está se dissipando. É um governo novo, uma ideologia conservadora, mas o Estado continua. O Brasil continua. A Constituição continua.”

Reidel reconhece a repercussão negativa da fala da ministra, mas também defende uma visão ponderada. “O tom a gente vai ter que construir. Por isso é importante a sociedade civil trazer suas vivências. A gente vai ter que dialogar para não criar ruídos”, afirmou. “Nesses processos de transição, qualquer fala, qualquer ruído pode se voltar contra [o novo governo]. Isso é natural”, completou.

Primeira trans a fazer mestrado na faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a diretora destaca a necessidade de lidar com “vivências que não são hegemônicas ou heteronormativas” e afirma que é preciso “ver quais estratégias o Ministério vai querer construir” sobre o tema.

Professora, Reidel ressalta a dificuldade de lidar com situações relacionadas ao gênero na infância. “Alguns pais dizem ‘meu filho é trans’. Mas ele tem 6 anos. Tem de repensar porque a criança está experimentando, vivenciando uma situação de gênero que muitas vezes não vai continuar”, afirma.

Durante a tramitação do projeto de lei conhecido como Escola sem Partido, arquivado em 2018, a Diretoria LGBT do Ministério emitiu parecer contra o texto. A proposta proíbe o desenvolvimento de políticas de ensino e adoção de disciplinas no currículo escolar “nem mesmo de forma complementar ou facultativa, que tendam a aplicar a ideologia de gênero, o termo ‘gênero’ ou ‘orientação sexual'”.

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FONTE: Marcella Fernandes – HuffPost Brasil

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