Junto há sete anos, casal supera inúmeros preconceitos e renova votos sempre que possível. História começa na internet e se consolida em meio à distância e às barreiras familiares.
Por Yuri Fernandes | ODS 5
Em libras, a declaração: “Você me completa de todas as formas. Amo poder te amar”. É quase impossível não se emocionar com os votos de casamento de Carilissa e Helenne. Os segundos iniciais do vídeo abaixo enviado pelo casal já revelam que por trás desse momento existe uma grande história a ser contada. Só elas, mulheres, lésbicas e surdas, sabem das lutas diárias enfrentadas em um país machista, LGBTfóbico e tão pouco inclusivo para pessoas com deficiência. Por isso, primeiramente, peço licença para escrever as palavras que compõe esse texto. Sabemos que fica difícil celebrar o mês dos namorados e do orgulho LGBTI+ em meio a uma pandemia. Mas acreditamos que narrativas como essa podem servir como um sopro de esperança e amor em tempos tão sombrios e incertos.
Carilissa Dall´Alba, de 34 anos, é gaúcha de Caxias do Sul. Helenne Sanderson, de 32, é natural de Barreiras, na Bahia, e mudou-se para Brasília aos 15 anos. A primeira, professora e pesquisadora, é surda de nascença em razão da rubéola contraída pela mãe. A segunda, designer, perdeu a audição aos dois anos por conta de uma meningite. Vidas, até certo ponto parecidas, porém geograficamente distantes. Para que o encontro se tornasse possível, foi necessário um empurrãozinho da internet.
O primeiro capítulo
Em março de 2013, Carillisa achou o perfil da futura esposa por acaso, no Facebook. Ficou encantada, mas por conta dos milhares de quilômetros que a separavam decidiu não tomar atitude. “O engraçado é que eu já sentia que ela era a pessoa predestinada para mim”.
O pedido para adicioná-la na rede só ocorreu três meses depois. Ela foi impactada, em um grupo fechado de mulheres surdas, por uma notícia na qual trazia Helenne na foto principal, protestando durante a Marcha das Vadias de Brasília. “Eu não tinha fé que ela iria me aceitar. Lembro muito bem naquele dia: 25 de junho, dois dias antes do meu aniversário, uma noite bem gelada. Quando já estava indo dormir, aparece uma mensagem: “Quem é você?”.
Foram longas e apaixonantes trocas até que elas se conhecerem por videoconferência. Carilissa afirma, sem vergonha do clichê, que foi amor à primeira vista. O que foi comprovado quando de fato se encontraram pessoalmente, onze dias após o primeiro contato. A gaúcha, que hoje dá aulas de Libras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), estava de malas prontas para a Europa para um trabalho de pesquisa. Helenne, então, decidiu correr e saiu de Brasília para encontrá-la em Porto Alegre, dias antes do voo. “Fui antes da viagem para não perdê-la para ninguém”, brinca a baiana. “Esperta, me segurou. Parece que foi uma imã que nos colou tão rapidamente. Não tive medo de conhecê-la, não tive medo de namorá-la. Ela também não. Foi algo muito forte, inexplicável”, recorda Carilissa, que confessa que tinha um coração de gelo para relacionamentos. “Amo a solidão e me amo muito, não imaginaria dividir a minha vida com alguém. Tudo mudou”.
O pedido de namoro veio logo após a pesquisadora retornar ao Brasil e viajar direto para Brasília para encontrar a amada. De imediato, um acordo foi feito: mais de 15 dias longe uma da outra? Jamais! Foram dez meses de encontros quinzenais e mais de quatro mil quilômetros percorridos a cada viagem. Essa custosa, porém prazerosa, jornada terminaria com a decisão de que elas, enfim, deveriam viver juntas. Helenne fez as malas e mudou-se para Santa Maria, no Rio Grande do Sul, onde vive há sete anos com Carilissa e Sofia.