Unidos pelo amor e pela lei

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REVISTA DO SANTA

Livro de registro de união estável entre homossexuais, que será instalado em Blumenau, garante (enfim) benefícios e direitos legais aos casais do mesmo sexo

Josi e R. são duas mulheres que se amam e vivem juntas há quatro anos. Neste mês, as duas pretendem formalizar seu amor da maneira possível: vão assinar o Livro de Registro de União Estável entre Homossexuais, que será instalado em Blumenau pelo grupo gay da cidade.

Ao assinar seus nomes no livro, Josi e a namorada escrevem a história. Elas e outros três casais homossexuais serão os primeiros catarinenses a registrar sua relação no livro – uma tentativa de dar garantias legais, como inclusão em plano de saúde e pensão, às uniões de pessoas do mesmo sexo.

O reconhecimento de direitos dos casais é só mais uma briga na longa batalha dos ativistas contra o preconceito. Desde os anos 80, quando os movimentos de gays e lésbicas se fortaleceram, os homossexuais colecionam algumas conquistas. Nos últimos anos, vários países criaram leis estabelecendo a união civil entre pessoas do mesmo sexo. No Brasil, algumas cidades e estados, como Santa Catarina, têm legislação que proíbe a discriminação por opção sexual.

Braços dados

Mara Regina Matuchaski e Joice Lane Lima, juntas há dois anos, andam de braços dados nas ruas de Blumenau. \”Na maior parte do tempo, você pode assumir o relacionamento em público. As agressões estão diminuindo. Ainda assim, tem que prestar atenção ao lugar onde você está. Às vezes, é melhor não se expor\”, conta Joice, de 36 anos.

A mato-grossense relata que percebe o preconceito nos olhares e comportamento dos outros, mas a discriminação hoje é mais velada. \”As pessoas têm mais cuidado; sabem que é crime discriminar.\” Para Joice, a união entre duas mulheres ou dois homens é igual a qualquer outra. \”O casal vai viver junto, constituir uma vida em comum, e precisa ter garantias. Por que temos deveres iguais aos dos heterossexuais e direitos diferentes?\”, questiona.

Fora do armário

Na década passada, as ONGs passaram a trabalhar o conceito de orgulho e auto-estima. Ninguém deve ter vergonha de sua opção sexual nem medo de se mostrar, defendem os movimentos. Pessoas conhecidas que assumiram sua homossexualidade, como atores e cantores, ajudaram a reduzir o preconceito. \”Estimulamos insistentemente para que os gays e lésbicas se assumam. Neste terceiro milênio, quem ficar no armário vai morrer sufocado\”, diz o sociólogo Luiz Mott, presidente do Grupo Gay da Bahia e pioneiro da militância no país.

Casado com Marcelo Cerqueira há 12 anos, Mott defende que a afirmação sexual é um gesto político. \”Outras minorias, como a dos afrodescendentes, têm orgulho e se organizam para afirmar sua identidade. Mas muitos de nós ainda têm medo\”, lamenta. O sociólogo estima que \”95% dos gays ainda se escondem\”.

A minoria que se mostra, no entanto, já faz a diferença. Somos milhões e estamos em toda parte, diz o slogan adotado em vários países. A afirmação nunca pareceu tão verdadeira. Em julho, a Parada do Orgulho Gay reuniu em São Paulo um milhão de pessoas – gays, lésbicas, transgêneros e simpatizantes.

A multidão colorida que tomou conta da Avenida Paulista acordou o país: as pessoas que amam e sentem atração por outra do mesmo sexo são uma parcela significativa da população (10%, segundo o relatório Kinsey) e não precisam viver \”no armário\” ou confinadas no gueto dos bares e boates GLS. Só não vê (e só não respeita) quem não quer.

Aceitação é uma questão de tempo

Os homossexuais se unem em movimentos para brigar por respeito, vão às ruas, assumem sua opção no trabalho, na família e na comunidade, ocupam altos cargos em governos – como o do premier britânico Tony Blair, que teve e tem vários ministros gays – e já aparecem até na novela das oito, na pele de duas adolescentes que se amam. Esta presença dá visibilidade a uma realidade que nem sempre pôde se mostrar.
 
A homossexualidade sempre existiu, sendo mais ou menos aceita de acordo com a época e o lugar. Já foi a forma predominante de amor na Grécia antiga, por exemplo. Mas ao longo do tempo e ainda hoje, muitos foram mortos ou punidos por sua opção sexual. Em 1895, o escritor Oscar Wilde foi preso por dois anos na Inglaterra por causa do romance com um jovem lorde.

No tribunal, Wilde teve de explicar o que significava a expressão \”o amor que não ousa dizer o nome\”, verso de poema do amado. \”Esse amor é mal entendido nesse século. O mundo zomba desse amor e expõe alguém ao ridículo por causa dele\”, disse Wilde.

Mais de um século depois, a aceitação é uma questão de tempo. Em julho, os argentinos Marcelo Suntheim e César Cigliutti tornaram-se o primeiro casal gay latino-americano a unir-se legalmente. Os dois inauguraram o Registro de Uniões Civis criado em Buenos Aires depois de anos de polêmica envolvendo a igreja e partidos conservadores.

Adilson e Leomar, juntos há quatro anos, serão os primeiros catarinenses a assinar o livro de união civil entre homossexuais.

Em julho, a Parada Gay de Blumenau reuniu centenas de pessoas que apóiam a causa.

\”Queremos ver aprovado o projeto de lei de parceria civil, da ex-deputada Marta Suplicy. O registro tem reconhecimento legal, mas é uma forma alternativa de garantir direitos\”, Adilson Fortunato, presidente do Fazendo a Diferença – Grupo Gay de Blumenau.

Certidão não descarta a necessidade de uma lei

O funcionário público Adilson Fortunato, 29, e Leomar Aver, 27, vivem juntos há quatro anos. Leomar e Adilson, que é presidente do Fazendo a Diferença – Grupo Gay de Blumenau, serão os primeiros catarinenses a assinar o livro de registro de união civil entre homossexuais. Os casais registrados ganham uma certidão semelhante à de casamento.

O instrumento, no entanto, não torna desnecessária a criação de uma lei específica. \”Queremos ver aprovado o projeto de lei de parceria civil, da ex-deputada Marta Suplicy. O registro tem reconhecimento legal, mas é uma forma alternativa de garantir direitos\”, diz Adilson, que assumiu a homossexualidade aos 21 anos. \”Foi como se eu tirasse um peso das minhas costas. Depois, passei a ser um homem muito mais feliz\”.

Para Adilson, a visibilidade das lésbicas na novela Mulheres Apaixonadas está dando outro olhar sobre a questão da homossexualidade no país. \”Há cinco anos, fui sozinho à Parada Gay em Blumenau. No outro ano, fomos eu e mais 12. Neste ano, já éramos 700. Isto dá visibilidade: as pessoas te vêem como ser humano\”, comenta, acrescentando que em quatro anos de relação, ele e o companheiro tiveram poucas reações de preconceito.

Filhos

Se a união já encontra formas alternativas de se afirmar, outro aspecto complexo da questão, que envolve o conceito de família, promete muito mais polêmica: a adoção ou gestação de crianças por casais homossexuais. Por enquanto, só a Holanda aceita registrar a criança em nome dos dois pais – ou das duas mães. É lá que Margareth de Souza, 31, e Rosângela Carvalho, 32, pretendem ter seu filho. Unidas há seis anos e sonhando com uma criança, as duas se submetem a um tratamento de inseminação artificial no Rio.

Margareth tenta engravidar. Óvulos de Rosângela, fecundados por espermatozóides de um banco de sêmem, já foram implantados em Margareth, mas a gravidez não foi adiante. Em outubro, as duas vão tentar de novo. O casal conversou muito sobre a inseminação e sobre a opção por gerar um filho sem pai. \”Eu me preocupo, mas tudo depende da criação que vamos dar\”, diz Rosângela. \”Vamos explicar tudo, quando ele tiver idade  para entender\”.

O homossexualismo no mundo:

– A Organização Mundial de Saúde deixou de considerar a homossexualidade como doença ou desvio sexual no fim da década de 80. Não existe uma causa conhecida que determine a opção sexual.

– A união civil entre pessoas do mesmo sexo já existe em países como Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Finlândia, Holanda, Islândia, Noruega, Suécia e Suíça.

– Buenos Aires é a primeira cidade da América Latina a legalizar a união civil entre homossexuais. A lei estabelece a criação de uma união civil, diferente do casamento, entre duas pessoas \”independentemente do sexo ou da orientação sexual\”.

– O Grupo Gay da Bahia foi o primeiro a instituir o Livro de Registro de União Estável entre Homossexuais, garantindo aos casais do mesmo sexo um documento que permite acesso aos benefícios do INSS e demais direitos e vantagens legais de um casal heterossexual.

– A Bélgica celebrou em junho o seu primeiro casamento homossexual. Os casais homossexuais terão os mesmos direitos que os casais heterossexuais, com exceção da paternidade e adoção: num casal de lésbicas, só a mãe biológica é considerada e casais homossexuais não podem adotar uma criança.

– No Canadá, a Justiça decidiu que o governo federal não pode impedir os gays e lésbicas de casar.

– Alarmado com a crescente aceitação legal das uniões de pessoas do mesmo sexo na Europa e na América do Norte, o Vaticano lançou em agosto um manifesto contra os casamentos entre homossexuais.

– Na Grã-Bretanha, o uso oficial da palavra \”homossexual\” foi proibido por ser considerado discriminatório e abusivo. A palavra deve ser substituída por \”pessoa com orientação sexual para outra do mesmo sexo\”.

– No Brasil, o termo \”homossexualismo\” é condenado por ativistas por indicar uma associação com desvio ou doença. O termo usado é \”homossexualidade\”

– Muitos países ainda têm pena de morte para homossexuais. No Afeganistão, Irã, Paquistão, Arábia Saudita, Sudão, Emirados Árabes e Iêmen, por exemplo, a homossexualidade pode custar a vida.

Jornal de Santa Catarina


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