Raio-X da depressão: como age e por que ela pode ser mais grave em algumas pessoas

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Diagnosticar a depressão não é tarefa simples, já que não há um exame que possa pôr fim às dúvidas. Seus sintomas, entretanto, prejudicam a habilidade de realizar tarefas do dia a dia e afetam drasticamente a qualidade de vida de quem convive com a doença.

Humberto Tozze

Ao escrever a obra “O demônio do meio-dia”, o escritor norte-americano Andrew Solomon se colocou em uma difícil  e – diga-se de passagem – dolorosa missão num dos momentos mais vulneráveis de sua vida: fazer uma anatomia simbólica da depressão, tomando a si mesmo como objeto de estudo. O livro, escrito no período de cinco anos, marca os altos e baixos do autor com a doença.

Homossexual assumido, Andrew diz que saiu do armário duas vezes: quando se entendeu como homem gay e quando reconheceu o estado severo em que se encontrava por conta da depressão. E fez aquilo que sugere como remédio para as pessoas que convivem com ela, que olhem para a doença como se estivessem olhando para um espelho. Esse seria então um primeiro passo, não negar sua existência. O segundo seria falar sobre ela e procurar ajuda. Ou seja, deixar o silêncio.
Em linhas gerais, Andrew resume a condição como “um pesar desproporcional à circunstância”. O que explica como ela afeta até as tarefas mais simples, como levantar da cama, se alimentar ou tomar banho.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é um transtorno mental que atinge até 5% da população mundial, sendo que as mulheres têm o dobro de chances de serem atingidas pela doença em relação aos homens. Embora seja um transtorno considerado comum, identificá-lo não é fácil para o paciente e, tampouco, para o profissional de saúde. Isso porque não há um exame que o confirme, como ocorre, por exemplo, com a diabetes, em que um teste de sangue pode pôr fim a qualquer suspeita.

A maneira mais acertiva para se identificar um quadro depressivo é falar sobre os sintomas com um médico especializado, conta Fernanda Palhano, neurocientista pesquisadora do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Tristeza, cansaço, pensamentos obsessivos, abalo na autoestima, falta de ânimo por atividades do dia a dia, insônia ou sono demais, e apatia são os mais frequentes nos manuais de medicina. Uma manifestação bastante comum, explica Fernanda, são os pensamentos “ruminativos”. “A pessoa fica ali presa naquele estado mental pensando alguma coisa negativa e não consegue se livrar deles, seja pensamentos de culpa ou de depreciação. São pensamentos que, em via de regras, são repetitivos e negativos.”

Atualmente, Fernanda estuda tratamentos alternativos para depressão e os efeitos deles no cérebro, como o com ayahuasca (chá que tem potencial alucinógeno). Muitos pacientes não reagem a tratamentos farmacológicos convencionais, conta ela, daí nasceu o interesse em estudar terapias paralelas. Uma das etapas da pesquisa envolveu o uso de ressonância magnética funcional em pacientes com depressão para obter imagens do cérebro e entender os padrões de atividades a partir de alguns estímulos. Quando o paciente estava dentro da máquina do exame, o grupo de pesquisadores apresentavam fotos com conteúdos diversos com objetivo de induzir as mais diferentes sensações, fosse pavor, medo, tristeza ou alegria. Então ela pedia que as pessoas dessem notas de 0 a 10, para dizer se uma imagem era negativa, muito negativa, positiva ou muito positiva. E propunha um exercício.

“Pedíamos para a pessoa, a partir de uma imagem, pensar em uma história de forma a tornar essa imagem menos negativa. Em um dos casos, selecionamos a foto de um atropelamento, com sangue, e aí dissemos: ‘Imagine que essa é apenas uma cena de um filme e que não é um acidente de verdade’ para ver como ela interagia com essa nova informação.”A lógica era que se não fosse verdade, a imagem se tornaria menos ruim. A escolha por esse tipo de protocolo tinha uma razão: pacientes com depressão têm mais dificuldade de concluir o exercício, a impressão negativa costuma perdurar e muitos resistem até mesmo em olhar para as imagens. O processo de ressignificar o sentido da imagem seria aquilo que a pesquisadora chama de “regulação emocional”. “Regular as próprias emoções é um desafio maior para pessoas com depressão”, afirma.

Além de ser difícil diagnosticar a doença, é também desafiador encontrar a causa do estado depressivo. Isso porque não há apenas uma única explicação para como ela se instala, são várias. Pode ser consequência de um grande trauma, de um luto, de uma doença, de desemprego, ou também por uma predisposição genética. Do mesmo modo, a doença pode aparecer de forma sorrateira. Há muitas teorias e uma das mais conhecidas para esse segundo tipo, explica Fernanda, é aquela que entende a depressão como resultado de um desequilíbrio químico no cérebro. Por exemplo, quando há desregulação na produção de serotonina.

“A serotonina está presente em nosso corpo todo, não apenas no cérebro, e tem função de regular o humor, apetite, e sono. Se houver um desequilíbrio, segundo esta teoria, pode ocorrer então a depressão.” Muitos dos tratamentos farmacológicos, frisa, “buscam aumentar a quantidade disponível desse neurotransmissor no cérebro”. Identificar o que está de fato acontecendo em nossa mente, novamente, não é fruto de um exame médico, mas do acompanhamento e monitoramento de como a pessoa reage a certos tipos de medicação.

No caso de mulheres, a variação hormonal também é um fator a ser considerado, especialmente em certos momentos da vida, como no pós-parto e na menopausa, lembra Laila Saboya Borges Fortes, psicóloga especialista em Saúde pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Laila acrescenta que é muito complexo separar os fatores químicos de circunstâncias externas e que, pela sua experiência, uma coisa sempre vem acompanhada da outra. “Existem casos em que são, visivelmente, frutos de  um desequilíbrio químico, por exemplo, na menopausa, no pós-parto, onde há uma enorme variação hormonal, que pode acarretar estados depressivos. Mas, normalmente, há fatores que acarretam o desequilíbrio químico. Tudo que fazemos acaba estimulando a produção de hormônios, como uma simples atividade física é capaz de produzir dopamina e serotonina.”

A fase do puerpério para a mulher é um período emblemático de como esses fatores se combinam, conta Laila. Além da queda drástica nos níveis de hormônios estrogênio e progesterona, que podem facilitar um quadro de depressão pós-parto, existem as novas circunstâncias as quais a mãe precisa se adaptar, e que podem sobrecarregá-la ainda mais quando não há apoio de um parceiro ou familiar. “Os primeiros meses pós-parto correspondem a  um período complicado, de cansaço, adaptação à nova realidade, noites mal dormidas. Todos esses pontos são como pedrinhas que vamos juntando dentro de um pote e chega uma hora que ele transborda.”

Quando questionada como a depressão atinge homens e mulheres, Laila responde que pode ter uma opinião enviesada, uma vez que 70% de seus pacientes são mulheres. Contudo, ela acredita que há uma facilidade maior dessa parcela da população de se abrir sobre seus problemas e buscar ajuda. “São pessoas que chegam mais nos consultórios. Homens, normalmente, expressam seus problemas de outras maneiras, seja pela bebida ou por atividade sexual intensa. Em contrapartida, a taxa de suicídio entre homens é muito maior do que entre mulheres. Eles não pedem ajuda e por isso implodem.”

A psicóloga acredita que as pressões sociais e expectativas que recaem sobre as mulheres também ocupam um papel importante para explicar a maior taxa de depressão entre a população feminina.

Como se não bastasse as dificuldades para diagnosticar a doença e também a sua causa, há o contratempo para identificar o tipo de depressão. Sim, não existe apenas um. Ela pode aparecer em um momento específico da vida ou pode ser recorrente com os mesmo sintomas – ambas são conhecidas como depressão unipolar, quando apenas um estado se manifesta durante um período. E há casos em que ela se alterna com sintomas de mania. Essa é conhecida popularmente como transtorno de bipolaridade, em certos momentos um indivíduo se encontra com falta de energia e melancólico, e em outros eufórico, com pensamentos acelerados, excesso de energia e comportamento impulsivo, muitas vezes com a libido e autoestima aumentadas.

Hoje em dia, a jornalista Bianca*, de 26 anos, fala abertamente sobre depressão. Mas foi uma caminhada tortuosa até chegar neste ponto. Diagnosticada no começo de 2015, ela acabara de se mudar para Curitiba para cursar a faculdade de ciências sociais. Estava vivendo em um alojamento para estudantes e, logo nos primeiros meses percebeu que não era o curso que queria. Se trancasse a faculdade, teria que sair da república em que morava, e naquele momento não tinha dinheiro para alugar um apartamento. Estava ainda num relacionamento abusivo. Não sentia que era suficiente para o ex-parceiro. Eram muitos gatilhos. Sem a família e amigos por perto, passou a se sentir mais ansiosa. Foi então que procurou terapia na própria faculdade, onde recebeu um encaminhamento para uma terapeuta e, assim, conseguiu arcar com as sessões por um valor mais acessível. Ali, muitos traumas e questões não resolvidas vieram à tona e foi então que a crise apareceu.

“Comecei a ter crises de ansiedade e não conseguia fazer coisas cotidianas, tipo sair com amigos, levantar para ir para aula, ir ao mercado. Ficava em casa e deitada por muito tempo, não conseguia ver perspectiva nas coisas, não conseguia comer porque as crises trancavam meu estômago. Deixava tudo para amanhã e esse amanhã nunca chegava.”

Por não conseguir comer, perdeu 10 quilos naquela fase. Sua depressão fez com que sua performance no trabalho caísse e logo fosse demitida. Além disso, não conseguia mais se conectar com os seus amigos. “Eles não entendiam que eu estava com depressão e eu também não entendia isso.”

No começo, resistiu a um tratamento que envolvesse medicamentos. Foi um pedido que fez a sua psicoterapeuta, mas não via melhoras. “Liguei muitas vezes para o CVV (Centro de Valorização da Vida) porque eu pensava em suicídio e aí, numa conversa com a minha mãe, ela sugeriu que eu fosse numa psiquiatra. Acabei indo e fui diagnosticada com depressão e ansiedade. Ela me convenceu de que os remédios seriam uma boa opção.”

Após um mês, viu uma mudança no seu estado. Conseguia fazer as coisas simples que antes deixava para depois e o processo psicoterapêutico também parecia melhorar, pois estava tratando os sintomas e a causa ao mesmo tempo. Cinco anos de tratamento depois, em 2019, recebeu alta.

A reportagem perguntou o que mais lhe ajudou nesse período: “Foi desmistificar o uso de remédios. Entendi que a depressão e a ansiedade são doenças e que não é porque elas não se manifestam fisicamente, que são menores do que uma dor de cabeça.” E antes que a entrevista terminasse, acrescentou: “O apoio da minha família também foi importante por todos altos e baixos que tive.  Ter pessoas com quem conversar, porque eu estava sem saber o que estava acontecendo comigo e não conseguia verbalizar. Conversar foi muito importante.”

Depressão tem tratamento, caso se sinta num beco sem saída, procure ajuda, seja um amigo ou um familiar de confiança. Além do Centro de Valorização da Vida (CVV), disponível 24h por dia, pelo telefone 188, há opções de tratamentos psicoterapêuticos a baixo ou sem qualquer custo. A depressão é uma doença que precisa de tratamento apropriado. Não deixe de buscar ajuda.

*preservamos o anonimato a pedido da entrevistada.

 

Revista Marie Claire


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