Projeto estimula empreendedorismo LGBTQ+ na zona rural do CE

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Neste ano, jovens de cinco municípios do Vale do Curu serão beneficiados com a iniciativa e receberão oficinas e mentoria para o desenvolvimento de seus negócios ou projetos de impacto social em suas comunidades.

Sou empreendedor há cerca de quatro anos, no ramo da confeitaria. Aprendi a gerir meu negócio na marra”. A declaração feita pelo jovem Marcelo Barros, 21, residente na cidade de Pentecoste, não é exclusiva. As dúvidas, medos e, no fim, superação, são sentimentos que vão além da criação e administração dos negócios de jovens da zona rural do Ceará. Soma-se à pessoas LGBTQ+, o desafio de ter a identidade respeitada e reconhecida em meio a uma sociedade ainda tão preconceituosa.

Marcelo foi um dos 25 jovens que passaram pela primeira edição do Projeto Diversidade e Empreendedorismo de Jovens Rurais, da Agência de Desenvolvimento Econômico Local (Adel), no ano passado. Durante três meses de formação, eles elaboraram projetos de negócios em suas comunidades, com enfoque no empoderamento, desenvolvimento local e inclusão socioprodutiva. “Sempre tive um espírito empreendedor, mas também uma certa barreira a ser ultrapassada devido ‘ser um homem gay fazendo bolo’, entende?”.

Carla Lima, 26, mulher trans que reside na sede do município de Apuiarés, também participou da primeira edição do projeto e elaborou seu Plano de Negócio para atuar na área da beleza e estética. “Passei um bom tempo parada após concluir o ensino médio. Nesse período, comecei minha transição. Ingressei em alguns trabalhos na área de estética e comecei a me identificar pelo segmento que futuramente seria minha ideia de negócio”, conta. Ambos contam que tiveram acesso a estratégias específicas para o meio rural e conhecimentos, redes colaborativas, tecnologias e, além disso, financiamento.

Apoio Financeiro

Mais velho de dois irmãos, Marcelo concluiu o ensino básico em 2011 e no ano seguinte ingressou no curso técnico de Aquicultura. Porém, inquieto, passou a desenvolver uma ideia de negócio e encontrou na venda de trufas uma oportunidade de renda. “Vendia 20 por semana e não tinha noção de escala. Depois disso, mudei de local e comecei a ganhar clientes. Comecei a vender 80 por semana e fui para produção mais em escala”, conta. Hoje, a empresa chega a vender mais de mil cones por mês. “Fomos a primeira a vender cone trufado na região”, comemora.

O negócio ganhou volume e, com isso, veio a necessidade de organização. “Não sabia de fluxo de caixa, tampouco administrar meu negócio. Conheci a Adel e me escrevi”, lembra o empreendedor. Além da formação, ele foi um dos contemplados com crédito do Fundo Veredas. “A gente passa por uma banca de análise do Plano de Negócio”, pontua. O crédito foi de R$ 3.500, dividido em 15 parcelas. O Fundo Veredas é um microcrédito produtivo exclusivamente para jovens rurais do Ceará. O objetivo do financiamento é viabilizar a criação e o desenvolvimento de empreendimentos rurais no semiárido cearense. “De uma turma de 25 jovens, financiamos, inicialmente, 9 projetos. Cerca de 60%”, explica a diretora de Programas da Adel, Aurigele Alves. “Infelizmente, não conseguimos financiar todos porque o lastro do Fundo Veredas é limitado. Dependemos de doações de parceiros, o que limita esse financiamento, não atendendo todos”.

Neste ano, 20 jovens LGBTQ+ de cinco municípios da região do Vale do Curu (Pentecoste, Apuiarés, Tejuçuoca, Paracuru e São Gonçalo do Amarante) serão beneficiados com o projeto.

Segundo Alves, com a chegada da pandemia, o cenário ficou mais preocupante. “Quando temos recursos de reserva, apoiamos todos que demandam e que tem viabilidade aprovada em seus projetos. Também temos uma linha de crédito de aporte de recursos direto para os jovens, uma espécie de apadrinhamento, explica a representante. “Neste contexto em que estamos vivendo, de recessão econômica, de mudanças ocasionadas pela Covid-19, a cooperação é peça-chave para superarmos este momento”.

Com a chegada da pandemia, o pagamento das parcelas dos jovens beneficiados foi prorrogado para julho. “A gente está se adaptando ao novo cenário, com produção reduzida”, diz Marcelo, mesmo mostrando confiança na superação da crise.

Rede de Assistência

Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), cerca de 90% das travestis e transexuais nas áreas de atuação da Associação, incluindo o Ceará, admitem se prostituir pelo menos em algum momento da vida por não conseguirem um trabalho. A situação aumenta a vulnerabilidade destas pessoas. Conforme o último Dossiê de Assassinatos Contra Travestis Brasileiras e Violência e Transexuais, com 11 mortes, o Ceará foi o segundo Estado com maior número de assassinatos de pessoas trans em 2019, ficando atrás apenas de São Paulo (21).

Marcelo Marcelo
Marcelo Barros começou vendendo algumas trufas e hoje tem um pequeno negócio promissor em Pentecostes

“A maior parte da população trans é colocada na marginalidade muito cedo. Não conseguem acesso ao processo de escolarização e mercado de trabalho por conta do preconceito e discriminação”, pontua o Dossiê. Além disso, dos LGBT+ que conseguem empregos formais, mais de 40% omitem sua sexualidade no ambiente de trabalho por medo de sofrerem preconceito ou por medo da demissão. Dessa forma, mesmo com bons currículos, a dificuldade em acessar o mercado de trabalho formal é uma realidade.

Para a diretora da Adel, o incentivo é a chave da transformação local. “Convivendo com um cenário de forte preconceito e discriminação, ter acesso a trabalho e a meios geradores de renda é essencial para que esses jovens possam ter suas liberdades garantidas, para que possam ter autonomia”, aponta. “O projeto surgiu do interesse em apoiar jovens LGBTQ+, que vivem em situação de maior vulnerabilidade e à pressão pela migração para centros urbanos”, conta.

Para a representante, a inclusão socioprodutiva desse público é ainda mais deficiência na zona rural cearense. “Muitos lidam com conflitos em suas famílias em um cenário em que a agricultura familiar é a principal atividade geradora de renda, com organização social tradicionalmente patriarcal, com traços de moral religiosa e consequente discriminação de gênero”. Violência que pode ser traduzida, também, no desemprego, que pode ser uma expressão de LGBTfobia estrutural, conforme a Secretaria Municipal dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social de Fortaleza.

Diário Nordeste


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