O ativismo improvisado de Rosa von Praunheim

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Por André Miranda ([email protected]) 

 

BERLIM
– O segundo longa-metragem de Rosa von Praunheim, "Não é o homossexual
que é perverso, mas a situação em que ele vive", é visto hoje como um
clássico da luta pelos direitos humanos. Porém, em seu lançamento, em
1972, a reação foi diferente. É que, por um lado, o filme retratava um
comportamento encarado como imoral por muita gente; enquanto, por outro,
criticava a maneira como esse comportamento seria vazio de articulação
política. Rosa conseguiu irritar ao mesmo tempo grupos conservadores e
os movimentos homossexuais. Entrou, assim, para a História.

 

Mais do que um ícone para a causa gay, o diretor se tornou um dos
grandes nomes das artes alemães, com mais de 80 obras, entre filmes para
cinema e TV e livros. Daqui a um mês, em 25 de novembro, esse alemão
nascido dentro de uma prisão da Letônia completa 70 anos de vida, que
serão comemorados com atividades em todo o mundo, incluindo uma
retrospectiva que o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio abre
nesta terça, em parceria com o Instituto Goethe. "Imagens engajadas: uma
homenagem a Rosa von Praunheim" irá exibir 20 filmes de Rosa, de "Não é
o homossexual que é perverso…" até sua produção mais recente, o
documentário "O rei da HQ – Ralf König" (2012), inédito no circuito
comercial brasileiro.

 

– Eu acho que o sentimento da velhice depende de sua saúde. Como a
minha está bem, eu me sinto bem e continuo trabalhando – conta Rosa, em
seu apartamento, em Berlim. – Tive uma vida intensa, mas não me sinto
como uma lenda ou a cara de um movimento. Houve muitos outros. O que
aconteceu comigo e me deixou mais conhecido na Alemanha foi o programa
de TV que tive e em que apontava quais celebridades eram gays. Isso foi
importante num tempo em que os gays não mostravam a cara, e acho que eu
posso ter encorajado as pessoas. Mas também fui bastante odiado por
algumas organizações de movimentos gays.

 

Rosa vive desde 1980 num apartamento imenso, no terceiro andar de um
prédio antigo na região de Charlottenburg, no lado ocidental de Berlim.
Lá é também seu estúdio, escritório, salão de reunião e até set de
filmagem, quando necessário. O lugar é decorado de maneira sóbria, em
tons escuros, mas mesmo numa visita rápida é fácil notar alguns
elementos pouco usuais. Logo na entrada, fica um aquário cheio de ratos
brancos passeando por aquelas miniaturas de brinquedos feitas para
ratos. As paredes do corredor que liga a sala (de visita) à sala (de
edição) é preenchida por compridas prateleiras, todas com DVDs.

 

Dos seus filmes, estão lá, por exemplo, "Memórias de Nova York"
(2010), sobre como mudanças recentes na administração municipal podem
ter tornado Manhattan um local entediante, "Homens, heróis e nazistas
gays" (2005), sobre homossexuais de extrema direita, e "O Einstein do
sexo" (1999), sobre o sexólogo alemão Magnus Hirschfeld, considerado o
precursor dos movimentos gays. A maior parte de sua obra é de
documentários, todos feitos com uma dose grande de improviso.

 

– Não escrevo roteiros nem para os meus filmes de ficção – explica
ele. – Eu procuro atores que topem entrar na fantasia de improvisar. Nem
faço ensaios para descobrir os diálogos. Simplesmente ligo a câmera. No
fundo, no primeiro dia de uma filmagem, nem tenho ideia do que vou
fazer e de onde vou chegar. Tiro inspiração do momento, sugiro que os
atores se questionem sobre seus personagens e filmo.

 

Coerência entre discurso e vida

 

O resultado, geralmente, é polêmico. No fim dos anos 1980, ele foi
uma voz fundamental na luta contra a proliferação do HIV, fazendo os
documentários da "Trilogia da Aids". O terceiro, chamado "Com a bunda no
fogo", mostrava como os gays de Berlim não estavam muito dispostos a
aceitar o sexo seguro. Mais uma vez, como havia feito no início da
carreira, Rosa não se privava de criticar o grupo que queria defender.

 

– Nos movimentos de 1968, os gays não se envolviam na vida
partidária. Eram tipos burgueses que não gostavam de ser atacados,
covardes que tentavam se esconder atrás de elementos cômodos, como
glamour, drogas, filmes, álcool e sexo. Como a maioria das minorias, se
comportavam como vítimas e ficavam parados. É até compreensível pelo
medo que algumas reações já geraram, como no nazismo, mas não poderia
ser aceitável – diz.

 

O diferencial do diretor, e exatamente o que talvez inspire seus
admiradores, é que ele sempre pareceu ter agido com coerência entre seu
discurso e sua vida. Seu nome de batismo é Halger, mas ele assumiu o
"Rosa" em referência à cor dos triângulos que os homossexuais eram
obrigados a usar nos campos de concentração nazistas.

 

Já a história da família de Rosa von Praunheim só veio à tona em
2000, quando sua mãe contou que ele era adotado, o que o fez começar a
investigar seu passado: o processo foi documentado no filme "Minhas mães
– Em busca de rastros em Riga", quando ele tornou público ter nascido
numa prisão em Riga, antes de ser abandonado sozinho numa rua próxima.

 

– Eu participei de muitas coisas, mas não acho que tenha vencido a
luta. A situação está melhor hoje para os gays. Os sobreviventes que não
morreram de Aids podem ter uma boa vida, fazer amigos, em geral são
respeitados. Mas ainda há preconceito – afirma Rosa. – Mesmo na
comunidade gay, há preconceito contra Aids. Você não vê as pessoas
falando sobre Aids hoje. Você faz sexo, mas não conversa sobre ter ou
não a doença. Muita coisa ainda precisa mudar.

 

Em meio às preparações para seu aniversário – na Alemanha, filmes
serão relançados, e um livro foi publicado com 70 poemas e 70 desenhos
feitos por Rosa -, o cineasta também já trabalha num novo
longa-metragem. Vai se chamar "Hitler e Jesus, uma história de amor". Em
seu estilo de valorizar o improviso, Rosa evita falar muito sobre a
história, certamente porque ele próprio não sabe o rumo dela. Mas, como
vem ocorrendo há décadas, ele torce por alguma dose de controvérsia.

 

– O título diz tudo: será uma história de amor entre Hitler e Jesus.
Histórias de amor são histórias de amor, e, se você é cristão, você
acredita que ama seus inimigos – analisa.

 

O diretor não virá ao Brasil para a retrospectiva do CCBB (que
termina em 4 de novembro), mas participa de um debate, via Skype, com
André Fischer, diretor do festival Mix Brasil, no dia 1º de novembro, às
19h30m. A conversa será transmitida na sala de cinema do centro
cultural, logo após a projeção de "Não é o homossexual que é perverso,
mas a situação em que ele vive".

 

Quem estiver presente deve se preparar. Perto de completar 70 anos,
Rosa não tem problemas em falar o que pensa. No fim da entrevista, antes
de se despedir, ele pergunta, na lata, com a cara séria que manteve
todo o tempo: "Você é gay?" Não era um flerte. O que Rosa queria era
compreender de onde vinha o interesse por sua obra, encarada por muitos
como cinema de nicho, voltado só para gays. É um tipo de injustiça que a
celebração de seu aniversário pode corrigir.

 

* Reportagem antecipada pelo Globo a mais

 

** O repórter viajou a convite do Instituto Goethe

 


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