“Você verá seus filhos viverem a verdade corajosa deles, e sua vida se tornará multidimensional.”
Eu me sinto uma hipócrita.
As fotos que compartilhei nas redes sociais do casamento de nosso filho mostram uma família ajustada, calorosa, tolerante e amorosa. Nossos amigos elogiam meu amor, minha aceitação e transparência. Dizem que eu sou uma inspiração para eles. E embora seja verdade que eu hoje sinta tudo isso por meus dois filhos, que são gays, ainda estou profundamente envergonhada pelo modo como agi com eles no início.
Durante anos após aqueles dois dias que mudaram tudo, cerca de 10 anos atrás, passei noites acordada e aflita – preocupada com a segurança física de meus filhos em um mundo onde quem é diferente é no mínimo marginalizado e, nos piores casos, agredido com violência ou até morto.
Nunca antes falei dessas noites de insônia e terror de maneira pública, muito menos em um jornal. Mas chegou a hora de lançar alguma luz sobre a vergonha que carreguei nas costas e que erodiu minha alma, na esperança de que isso possa poupar outros pais ou familiares de passarem pelo mesmo sofrimento.
Quando Luke, meu filho mais velho, tinha 17 anos, topei com seu diário. Ele o havia deixado aberto intencionalmente numa página onde havia escrito “Deus, se a homossexualidade é pecado, por que você me fez assim?”. Perguntei diretamente a Luke se ele achava que era gay, e ele respondeu que sim. Eu chorei. Minha mente se negou a acreditar que fosse verdade – que essa fosse a nossa verdade.
Eu tinha sonhos detalhados em tecnicolor para a vida de Luke. Nesses sonhos, eu tinha um netinho carinhoso, de olhos azuis e cabelos loiros, exatamente como Luke. Eu tinha tudo planejado. Naquela tarde quente e abafada de junho, meus sonhos morreram uma morte violenta e repentina.
Antes de Luke “sair do armário”, eu dizia coisas tipo “ser gay deve ser uma coisa biológica. Ninguém escolheria viver uma vida mais difícil por opção própria”, ou “quem somos nós para não aceitarmos os gays do jeito que são?”
Até me deparar com essa situação com meu filho.
De repente eu me vi envergonhada, com raiva, querendo negar a realidade. Sem conseguir aceitar que Luke nos estivesse fazendo seguir esse caminho – e sem aceitar onde esse caminho poderia nos levar –, decidi travar uma campanha pessoal para “transformar o gay”. Implorei com Luke para que mudasse. Cheguei a suplicar para Deus fazer Luke mudar.
Luke não mudou. Meu marido e eu procuramos um psiquiatra para nos ajudar a entender nossos pensamentos e emoções. Saímos da consulta arrasados. Fizemos silêncio sobre a verdade de Luke, como se fosse um segredo perigoso demais para revelar a qualquer outra pessoa. Temíamos que nossa família o rejeitasse. Sabíamos que, se isso acontecesse, ficaríamos do lado de Luke e nos distanciaríamos de nossos parentes, mas pensar em perder esses relacionamentos familiares nos deixava arrasados.
Depois de algum tempo, não conseguimos mais continuar com a mentira de nosso silêncio, e acabamos nos abrindo com a família sobre a sexualidade de Luke. Descobrimos que estávamos sofrendo em silêncio sem precisar. Quase todos nossos parentes e amigos nos deram apoio e, para meu espanto e consternação, não chegaram a ficar surpresos.
Alguns poucos familiares optaram por julgar e condenar, e nas reuniões familiares minhas emoções ficavam tão à flor da pele que eu me sentia como uma equilibrista percorrendo uma corda bamba acima de uma cova de leões. No final, optei por me afastar das pessoas que se negaram a aceitar Luke, e essa decisão, apesar de sofrida, me trouxe muita paz. Mas, mesmo contando com o apoio da maioria de nossos parentes e amigos, eu ainda estava triste com a sexualidade de Luke.
Decidi travar uma campanha pessoal para “transformar o gay”. Implorei com Luke para que mudasse. Cheguei a suplicar a Deus para fazer Luke mudar. Luke não mudou.
Antes de contar às nossas duas famílias maiores, falamos com Will, nosso filho mais jovem, sobre Luke. Dissemos a Will que tínhamos proibido Luke de revelar a seus colegas na escola que ele era gay. Isso porque Will era calouro no mesmo colégio particular só para meninos, e temíamos que ele fosse maltratado se alguém descobrisse.
Will ficou abaladíssimo – não pelo fato de Luke ser gay, mas porque meu marido e eu tínhamos escondido a verdade dele, como se fosse um segredo sujo. Ele ficou revoltado por termos dito a Luke que ele não podia contar a ninguém. Will achava que isso queria dizer que a sexualidade de Luke era motivo para se envergonhar, e ele não encarava a coisa assim. Na época, não sabíamos que Will também era gay. O mal que lhe fizemos sem querer ao revelar a ele nossos sentimentos reais sobre a homossexualidade é algo que me atormenta até hoje.
Quando estava se aproximando a data da formatura de Luke do colégio, ele resolveu que queria estudar na universidade particular onde eu lecionava. Entrei em pânico, pensando que talvez a sexualidade dele pudesse prejudicar minha posição na universidade. Por mais que isso possa soar ridículo hoje, eu estava totalmente imersa em vergonha e medo na época e não conseguia encontrar um caminho para sair disso.
Uma semana antes de Luke sair de casa para viver no campus, eu o encontrei fazendo a mala, colocando suas roupas de inverno na mala. A universidade ficava a apenas 20 minutos de casa – logo, seria facílimo ele buscar suas roupas de inverno em casa, ou aliás qualquer outra coisa que ele precisasse, a qualquer momento. Foi naquele momento que eu me dei conta: Luke não pretendia voltar a morar em casa. Quando meu marido voltou do trabalho naquela noite, eu lhe disse: “Se não resolvermos amar e aceitar Luke, vamos perder nosso filho”.
Então optamos pelo amor. Ou tentamos, pelo menos. Mas, infelizmente, não foi tão simples assim, e eu continuei a ter dificuldade em aceitar a sexualidade de Luke e tudo que ela implicaria para a vida dele – e a minha. Quando Luke saiu de casa para começar a faculdade, eu ia dormir todas as noites chorando e rezando, pedindo a Deus para fazer Luke mudar. Se Deus era Todo-Poderoso, Ele conseguiria fazer isso, não? Ele podia qualquer coisa.
Tenho uma recordação muito nítida da resposta de Deus. Sabe aquelas memórias em que cada detalhe de um momento fica gravado em sua mente? É esse tipo de memória. Enquanto andava até meu carro, ouvi alguma coisa – acredito que tenha sido Deus – me dizendo: “Você está pedindo a coisa errada. Sua oração deveria dizer ‘Deus, ensine-me a amar e aceitar Luke do jeito como ele é’.”
A partir desse momento passei a ter a convicção forte de que Deus me estava dizendo para amar a Luke – meu filho e filho dele. Tomei a decisão de transformar meu pensamento e meu coração e a apoiar meus filhos como o que eles verdadeiramente são, e nada menos que isso. Hoje, quando me dizem que a Bíblia condena a homossexualidade, opto em vez disso por acreditar no que Deus me disse, e não em um livro que vem sendo manipulado pelo homem há mais de um mil anos.
Dois anos mais tarde, Will se assumiu como homossexual diante de nós, no meio de um jantar de família em um restaurante local. Apesar de eu já ter vivido minha experiência transformadora e ter entendido que precisava amar meus filhos exatamente do jeito que eram, senti um frio na barriga, minha garganta fechou e as lágrimas escorreram por meu rosto. O primeiro pensamento que me veio à cabeça foi “não você também! Não vou suportar perder mais um sonho.”
Mesmo eu já tendo avançado tanto no modo como eu encarava a homossexualidade, de repente voltei a mergulhar no medo e vergonha que senti quando Luke saiu do armário. Luke nos disse que não estava surpreso, que a homossexualidade muitas vezes é algo de família – ou seja, embora ainda não se saiba por que algumas pessoas são gays, é muito possível que seja genético. Meu desespero virou raiva que eu voltei contra meu marido, Joe. “O que há de errado nos seus espermatozoides?”, perguntei a ele, enfurecida.
Hoje damos risada quando nos recordamos daquela minha reação, mas naquele momento foi tudo menos engraçado. Por mais que eu tivesse feito um grande esforço para aceitar o fato de Luke ser gay, e apesar de eu realmente amar meus filhos incondicionalmente, eu continuava a me afligir pensando nas dificuldades que ele e agora Will também enfrentariam em função de sua sexualidade.
Quando Will saiu do armário, meu primeiro instinto não foi reconfortá-lo. Em vez disso, foi Will quem reconfortou a mim e a meu marido, entregando-nos uma carta linda em que explicava que ele sempre soube que era diferente e que tinha acabado por se aceitar assim. Ele também manifestou sua preocupação conosco, não com ele próprio, dizendo que entendia que levaríamos algum tempo para aceitar sua sexualidade.
Depois de fazer um exame de consciência, percebi que o que me preocupava não era a sexualidade de Luke e Will, mas meu receio pela segurança deles. Eu tinha medo de eles serem agredidos violentamente por serem gays. Me preocupava com sua segurança mental e emocional e com os perigos que teriam que encarar, vivendo em um mundo que às vezes é cruel com quem é diferente da maioria. Me preocupei com a segurança sexual deles. Também me preocupei com nossa filha mais velha, Beth, que teria que passar de novo pelo campo minado de nosso drama familiar.
Percebi que eu precisava fazer alguma coisa concreta para combater a preocupação constante e angustiante, que não estava me levando a lugar algum. Repassei na minha cabeça a mensagem que eu acreditava que Deus me tinha transmitido. Comecei a fazer um diário, anotando as coisas pelas quais me sentia grata. Também comecei a fazer exercícios de respiração profunda, para me ajudar a superar a ansiedade. Devagar mais constantemente, essas medidas começaram a funcionar, e eu fui me adaptando à nossa nova realidade.
Assim que minha família passou a encarar como normal o fato de termos dois filhos gays, Will começou a se aventurar no mundo das drag queens. Quando eu primeiro tomei conhecimento de seu novo hobby, o sentimento de vergonha com o qual lutei por tantos anos voltou com força.
Mais ou menos um ano mais tarde, entendi que ser drag queen era uma parte importante da vida de Will. Em vez de condenar tudo isso, resolvi lançar mão de minha empatia e curiosidade: comprei ingressos para nossa família assistir a um show de drag queens. Fico feliz em poder dizer que aquele show marcou o ponto de partida de um diálogo com Will sobre o objetivo e o significado do drag, e eu comecei a apreciar a beleza e o aspecto artístico do que fazem as drag queens.
Mais recentemente ainda, Will escreveu no Facebook que agora se identifica como genderfluid. Dessa vez, em vez de sentir vergonha, eu elogiei meu filho – reservadamente e nas redes sociais – por ser quem ele realmente é. Incentivei outras pessoas a também fazerem o mesmo.
Demorei muito, mas finalmente optei pelo amor – o amor verdadeiro, incondicional. Finalmente aceitei meus filhos – verdadeiramente e incondicionalmente. Eu sou a prova viva de que é possível crescer.
Hoje não anseio mais para minha vida ser diferente do que é ou para minha família ser diferente do que é. É um grande alívio amar o que existe.
Se você tem um filho LGBTQ e vive afundado num atoleiro de sentimento de vergonha, saiba que não está sozinho.
Eu queria que alguém tivesse me dito, 11 anos atrás, que tudo acabaria dando certo – alguém que já tivesse visto seus sonhos morrer e tivesse saído disso mais forte do que antes. Alguém que vivesse ciente de que a sociedade marginaliza filhos como Luke e Will, mas que tivesse aprendido que esss filhos são capazes de prosperar e encontrar a felicidade do jeitinho que eles são. Alguém que me tivesse ouvido e me dado espaço para chorar, em vez de ter tentado desviar meu sofrimento para outro alvo ou tê-lo descartado, me dizendo que meus filhos poderiam adotar filhos um dia ou que ser gay não tem nada demais.
Ouso lhe dizer que sua vida pode ser ainda melhor que antes, ainda mais rica que antes. Você vai ver seus filhos viverem a verdade corajosa deles, e sua vida se tornará multidimensional.
Agora espero que eu possa ser essa pessoa.
Vai ficar tudo bem. Ouso dizer a você que sua vida pode ser ainda melhor que antes, ainda mais rica que antes. Você vai ver seus filhos viverem a verdade corajosa deles, e sua vida se tornará multidimensional.
É ok você levar o tempo que precisar para aceitar essa realidade. Permita-se processar quaisquer sentimentos que você tenha – dor, vergonha, medo, perplexidade – e não se critique por isso. Uma pessoa em um grupo de apoio disse a Luke certa vez: “Dê tempo a seus pais. Você levou 17 anos para aceitar que é gay. Não pode querer que seus pais aceitem isso em 15 minutos.”
Sugiro que você ouça esse conselho.
É ok bloquear o som da sociedade lhe dizendo que seu filho gay é uma aberração, e, em vez disso, dar ouvidos ao amor infinito que você sente por ele. Usar o amor como meu norte foi o que mudou tudo para mim, e pode ser a mesma coisa para você. As pessoas vão seguir o seu exemplo, e, se não seguirem, tudo bem também.
Todos nós temos sonhos para nossos filhos. Quando esses sonhos morrem, isso pode ser arrasador.
Como mãe de dois filhos gays, a lição mais importante que aprendi é que não posso depender de meus filhos para realizarem meus sonhos, assim como eles não podem depender de mim para realizar os sonhos deles. Na realidade, é injusto esperar que qualquer outra pessoa realize meus sonhos ou me faça feliz.
Agora sou mais feliz quando estou indo atrás dos meus próprios sonhos e incentivando meus filhos a irem atrás dos deles, não importa quais sejam esses sonhos nem quão diferentes possam ser do que eu sonhei originalmente para eles.
*Este texto foi originalmente publicado no HuffPost US e traduzido do inglês.