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Ameaças, agressões e também falta de apoio dentro dos partidos dificultam as candidaturas de pessoas trans e travestis
Essas duas decisões vão na contramão de levantamentos que verificam um aumento de candidaturas de pessoas trans e travestis na última década no Brasil e chamam a atenção para os motivos que fazem essas lideranças deixarem a política institucional.
Representantes de entidades que atuam na promoção da diversidade dizem que a violência política de gênero e a falta de apoio dos partidos são as principais barreiras para a permanência das pessoas trans e travestis na política institucional.
“Quando falamos de um corpo trans na política, não é basicamente uma candidatura. É uma candidatura que advém de um ambiente hostil desde sempre. Há barreiras políticas, partidárias, sociais, escolares e familiares”, afirma o cientista político Miguel Soares Silveira, da Universidade de Barcelona, que pesquisou a evolução quantitativa das candidaturas de pessoas trans e travestis no Brasil entre 2002 e 2020.
Não há, no cadastro de candidaturas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um campo de preenchimento para declaração de gênero “travesti ou transexual”, mas desde 2018 o TSE permite a inclusão do nome social no título de eleitor e na candidatura. Nas eleições de 2020, 171 pessoas optaram por utilizar o nome social, o que representa 0,03% dos 557 mil registros.
A eleição municipal de 2024 servirá para verificar se houve um aumento. Um levantamento a partir de autodeclaração numa plataforma online, feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e a organização VoteLGBT+, registrou 147 pré-candidaturas de pessoas trans e travestis até meados de julho. Os dados oficiais do TSE só serão divulgados após 15 de agosto, quando termina o prazo de registro.
Robeyoncé Lima elenca três motivos para não se candidatar este ano. “A violência política dirigida a corpos como o meu, o imperativo de que esses corpos precisam ocupar determinados lugares, e a insurgência deste mesmo corpo buscando elaborar suas próprias estratégias e deliberações foram alguns dos fatores que me levaram a tomar essa decisão”, disse.
Ameaças e violência
No Brasil, a primeira vereadora travesti foi Kátia Tapety, em 1992. Ela foi reeleita três vezes na cidade de Colônia, no Piauí, mas até 2002 não houve novas candidaturas de pessoas trans e travestis, de acordo com Silveira.
Em 2020, 30 pessoas trans e travestis foram eleitas, de acordo com levantamento da Antra: 275% a mais do que em 2016. “Há uma luta contínua e latente com a qual os corpos trans precisam se deparar ao entrar na política institucional: como você vai se sentir bem num ambiente que todos os dias reforça a ideia de que você não deveria estar ali?”, questiona o pesquisador.
Entre as pré-candidaturas já mapeadas pela VoteLGBT, 82% são de mulheres trans e travestis. Para elas, participar da política institucional significa também lidar com a violência política de gênero. A Lei 14.192, que considera violência política qualquer ação ou omissão para impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos de uma mulher, completa três anos no próximo mês. Desde sua entrada em vigor, ela já levou a 215 denúncias no Ministério Público Federal (MPF). Dez estão relacionadas a parlamentares trans e travestis.