Comunidade LGBT de Macau sente-se infeliz, discriminada e tem pensamentos suicidas

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Foram revelados ontem os dados relativos ao inquérito realizado pela Associação Arco-Íris de Macau, que mostram que a comunidade LGBT se sente discriminada e infeliz. As conclusões do inquérito indicam ainda que 14% dos inquiridos já pensaram em suicídio e que, além disso, 22% já sofreram de violência doméstica. Os dados já foram mostrados ao Governo que, segundo Jason Chao, pediu que a associação continuasse a estudar a comunidade.

André Vinagre

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Infeliz, com pensamentos suicidas e com a percepção de que é alvo de discriminação. Assim é a comunidade LGBT de Macau, de acordo com o inquérito realizado pela Associação Arco-Íris e cujas conclusões foram divulgadas ontem por Anthony Lam, presidente da associação, e Jason Chao, coordenador do inquérito. O grupo já deu a conhecer os dados ao Instituto de Acção Social (IAS), que se mostrou interessado em saber mais sobre a comunidade e pediu mais estudos à associação.

Este é o terceiro inquérito à comunidade LGBT promovido pela Associação Arco-Íris. O primeiro, em 2013, contou com a participação de 186 indivíduos, o de 2016 teve as respostas de 715 pessoas, e este ano foi batido o recorde, tendo sido recebidas respostas de 994 inquiridos, dos quais 47,4% homens e 52,6% mulheres. As respostas ao inquérito online foram recolhidas entre os dias 26 de Outubro e 9 de Novembro.

Um dos dados que Jason Chao destacou, na apresentação das conclusões, relaciona-se com os pensamentos suicidas. No total, 14,1% do total dos inquiridos já pensou em cometer suicídio. O grupo que mais pensa no suicídio é o dos homens homossexuais, com 18,9%, seguindo-se os homens bissexuais, com 17,6%. Já no que toca às mulheres homossexuais, a percentagem desce para os 11,2%, e nas mulheres bissexuais a percentagem é de 6,6%.

O inquérito mediu ainda o sentimento de felicidade da comunidade homossexual de Macau e, segundo os dados, na escala de zero a 10, a média do nível de felicidade é de 4.54. Ao detalhar o nível de felicidade pelos grupos, verifica-se que os homens homossexuais e bissexuais manifestam um nível de felicidade de 4.3, as mulheres bissexuais estão nos 4.7 e as mulheres homossexuais nos 4.8. Em nenhum dos grupos se chega a alcançar a metade da tabela.

Anthony Lam explicou, então, porque é que são os homens os mais infelizes e com mais pensamentos suicidas: “Nós não avaliámos as respostas, mas daquilo que compreendemos da cultura de Macau, que tem forte influência chinesa, nós acreditamos que os homens homossexuais estão sujeitos a mais dificuldades”. “A sociedade tende a esperar uma imagem mais masculina, mais forte, da parte do género masculino”, indicou.

Jason Chao completou: “Os homens homossexuais sentem mais pressão e sentem mais discriminação. Claro que, se tivermos recursos, no futuro, vamos estudar como é que a sociedade de Macau trata os gays ou se há diferença no tratamento entre os gays, homens bissexuais, mulheres lésbicas, etc. [Agora] nós estamos a estudar a discriminação subjectiva, não objectiva”.

O inquérito questionou também se a comunidade se sentia discriminada. Numa escala de zero a 10, a média do sentimento de discriminação da comunidade LGBT é de 7.17, indicam as conclusões do questionário. Também neste campo são os homens que se sentem mais discriminados. Os homens homossexuais têm uma percepção de discriminação de 7.4, os homens bissexuais de 7.1, e, depois, as mulheres lésbicas e bissexuais de 6.9.

Os números indicam ainda que 27,6% dos 994 inquiridos já foi alvo de agressões verbais devido à sua orientação sexual. Jason Chao detalhou que 38,5% dos homens homossexuais já foi alvo de insultos. A percentagem desce para os 27,1% nos homens bissexuais, para os 25,4% nas lésbicas e 14,2% nas mulheres bissexuais.

“Não podemos afirmar, com este inquérito, que a sociedade de Macau é contra pessoas gay. Nós temos de perceber o quanto é que a sociedade de Macau discrimina. Para ser preciso, não podemos dizer, com estes dados, que a sociedade de Macau tem tendência para discriminar, não podemos tirar essa conclusão, mas podemos dizer que a comunidade sente um alto nível de discriminação”, explicou o coordenador do projecto e antigo líder da Associação Novo Macau.

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA É “ALARMANTE”

Segundo Jason Chao, a ocorrência de violência doméstica entre os casais LGBT de Macau é “alarmante”. O inquérito revelou agora que 22% das pessoas que responderam ao inquérito já foram vítimas de violência doméstica. Dos inquiridos, 28 assumem já ter sofrido violência física e oito de abuso sexual perpetrado pelo companheiro. Há também 127 inquiridos que dizem terem sido controlados pelo companheiro, 70 sofreram de abuso emocional e intimidação, 96 de abuso verbal e 19 de abuso económico.

A comunidade LGBT também quer ver a lei da violência doméstica a incluir casais do mesmo sexo. No estudo deste ano, 62% diz que “concorda totalmente” com a inclusão da comunidade no diploma, registando-se um aumento face aos 59% de há três anos.

Em conclusão, a Associação Arco-Íris deixa sugestões ao Governo: “As pessoas homossexuais merecem mais atenção porque é mais provável que tenham pensamentos suicidas, que tenham uma maior percepção de discriminação e que sejam menos felizes”. O Governo deve, então, fazer um trabalho de “desestigmatização visível e eficaz” e “rever a lei da violência doméstica”, pede o grupo.

IAS QUER MAIS ESTUDOS

Anthony Lam anunciou também que, mesmo antes de os dados terem sido revelados aos jornalistas, já tinham sido mostrados ao IAS, numa “longa reunião” que a Associação Arco-Íris teve com o organismo do Governo na manhã de ontem. O presidente da associação fez saber que, na reunião, foi pedida a revisão da lei da violência doméstica e que avisaram o organismo de que a comunidade LGBT não conhece os serviços de inclusão do Governo: “O que nós dissemos foi que, se eles não promoverem os seus serviços de inclusão, a comunidade LGBT, quando tem problemas emocionais, não sabe que o IAS é um sítio onde eles se podem dirigir. Em vez disso, eles vêm à Associação Arco-Íris. Há muito trabalho que o Governo pode fazer ou melhorar para mostrar que se interessa pela comunidade LGBT”.

Questionado sobre se o Governo vai utilizar os dados deste inquérito no futuro, Jason Chao respondeu que sim. “Para surpresa nossa, eles mostraram muito interesse no nosso estudo e até sugeriram que estudássemos mais objectivamente a discriminação na sociedade. Nós dissemos que, para levar a cabo esse tipo de estudo, seriam necessários mais recursos”. O IAS pediu mais detalhes sobre a comunidade, mas não se disponibilizou para fazer os estudos, delegando-os à Associação Arco-Íris, disse Jason Chao. Mas não seria mais fácil que fosse o Governo a desenvolver os estudos? “Claro”, respondeu o activista.

Anthony Lam chamou a atenção para a discriminação. Segundo o artigo 6.º da Lei das Relações de Trabalho, está previsto que nenhum trabalhador ou candidato a emprego seja “injustificadamente beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever” em razão da sua orientação sexual. No entanto, o IAS “nunca, nunca, promoveu este princípio, este artigo da lei”. “Uma coisa é os elementos da comunidade LGBT terem coragem para fazer queixa dos seus empregadores, outra coisa é que eles possam não saber da existência deste artigo”, reforçou Anthony Lam.

Ponto Final Macau


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