Mesquita Nunes assumiu homossexualidade. Uma forma de contribuir para “normalizar” o que ainda é considerado por muitos como “anormalidade”, saudou Graça Fonseca
Ainda é notícia – e “é importante” que seja: Adolfo Mesquita Nunes, vice-presidente do CDS, afirmou ontem publicamente que é homossexual, em entrevista ao Expresso, onde contou que um cartaz seu nas eleições autárquicas foi vandalizado com a palavra gay e ele impediu que fosse substituído. “Não era mentira.” E o antigo deputado, ex-secretário de Estado do Turismo e atual vereador na Câmara da Covilhã recebeu um aplauso unânime da direita à esquerda.
A secretária de Estado da Modernização Administrativa, Graça Fonseca – que tornou pública a sua homossexualidade, em agosto passado, em entrevista ao DN – foi uma das que saudaram o gesto de Mesquita Nunes, nas redes sociais: “A entrevista do Adolfo é extraordinariamente importante”, escreveu, por dizer a muitos homossexuais que há “outras pessoas que dizem, alto e bom som, que são como elas. Porque quando essas outras pessoas falam algo muda.”
Graça Fonseca sublinhou ao DN que “a afirmação de homossexualidade por quem tem exposição pública é sempre relevante”. E explicou que essa afirmação “contribui para a “normalização” do que ainda é considerado por muitos, desde médicos a anónimos das caixas de comentários de jornais, uma “anormalidade””.
Segundo contou a governante ao DN, depois da sua entrevista de agosto, “muitas pessoas” escreveram-lhe e abordaram-na “na rua a contar as suas histórias, a partilhar o medo e a vergonha que ainda sentiam e porque era importante a afirmação pública da sua orientação sexual”. E acrescentou: “Li alguns insultos e acusações, mas apenas no conforto do mundo virtual, nunca na rua ou nos vários eventos e reuniões públicas por onde passei desde a entrevista.”
Este é um caminho que não distingue direita e esquerda, defendeu Graça Fonseca. “Tratando-se de um político, esta afirmação de “normalidade” é importante independentemente de ser de esquerda ou de direita. O conservadorismo não é um exclusivo da direita”, apontou.
Para a vice-presidente da ILGA-Portugal, Ana Aresta, “este tipo de declarações são mesmo muito importantes”. E explicou que, no caso de Mesquita Nunes e Graça Fonseca, se tratam de “pessoas muito visíveis e há falta de visibilidade entre as pessoas LGBTI” (lésbicas, gays, bissexuais, transgénero e intersexo).
Para Ana Aresta, “as pessoas LGBT vivem muitas vezes silenciadas, isoladas, sem modelos e sem referências públicas às quais possam recorrer. Por isso é que é importante que estas pessoas, que têm visibilidade e chegam a todas as casas do país, digamos assim, tornem pública a sua orientação sexual”.
Há outro aspeto sublinhado pela ativista da ILGA que é o de Mesquita Nunes e Graça Fonseca o terem feito “alertando para a importância de combater a violência a que estão diariamente sujeitas as pessoas LGBT”. O centrista notou, na entrevista ao Expresso: “Para eu não precisar de nenhuma coragem para estar aqui a ter esta conversa, houve muita gente que chocou, provocou, correu riscos, desafiou, teve uma coragem infinitamente superior.”
Graça Fonseca também notou ontem ao DN que “assumir publicamente a orientação sexual é sempre difícil, seja para um político, artista, desportista, etc. Porque expõe uma parte da nossa identidade, que, apesar de não ter verdadeira relevância para o que fazemos, ainda é por muitos utilizada para julgar o que fazemos. É importante que seja feito para que um dia a orientação sexual seja algo sem relevância pública.”
Já Ana Aresta, que sublinhou “os avanços legislativos nesta área”, questionada sobre o facto de se tratar de um dirigente do CDS, notou que “todas as estruturas são feitas de pessoas e são as pessoas que impulsionam a mudança”. Os posicionamentos dos vários partidos, apontou (como referiu também Mesquita Nunes), “vão mudando favoravelmente”.
Nas redes sociais, multiplicaram-se elogios à entrevista do centrista, do fundador do Livre, Rui Tavares, de deputados do BE ou do comissário europeu Carlos Moedas. “Frontalidade, talento e honestidade: um dos melhores políticos da sua geração”, escreveu Moedas. O líder parlamentar do BE, Pedro Filipe Soares, disse que debateu “muitas vezes” com o centrista “e muitas vezes” discordou. “Hoje, dou-lhe valor pela coragem que teve.”
A partir da sua experiência, Graça Fonseca concluiu: “O que mudou não foi atitude dos outros relativamente a mim. O que espero que mude é a atitude das pessoas relativamente aos outros que têm uma orientação sexual diferente da sua.”
https://www.dn.pt/portugal/interior/afirmar-se-gay-por-quem-tem-exposicao-e-sempre-relevante-9111427.html