Militantes LGBT no Oriente Médio rompem silêncio na busca por igualdade

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Militantes da comunidade LGBT no Oriente Médio e no Norte da África se expõem e levam solidariedade a homossexuais. Projeto da Human Rights Watch e da Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade busca romper isolamento social.

Rodrigo Craveiro

O iraquiano Musa Al-Shadeedi, 26 anos, é um sobrevivente. Em 2012, escapou de uma campanha de assassinatos promovida por milícias religiosas contra homens cujas práticas sexuais e performances de gênero não eram consideradas “normativas”. Homossexual assumido, o morador de Bagdá tentou se engajar no ativismo e se viu forçado a abandonar o país. Em Beirute, o libanês Elie Ballan, 32, levou tempo para aceitar quem ele era. Aos 16 anos, tinha sobrepeso e era visto como “extravagante”. Hoje, precisa esconder os sentimentos em público. O jordaniano Khalid Abdel-Hadi, 28, enfrentou bullying na internet, foi alvo de retórica do ódio e sofreu tentativas de desacreditarem sua cultura e sua religião.

Integrar a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros) em países do Oriente Médio e do Norte da África é estar sujeito ao preconceito, à possibilidade de prisão e ao risco de ser executado. Em algumas nações, a homossexualidade é associada à devassidão e considerada transgressão às leis (veja arte). Para desafiar o estigma social e a repressão, 18 ativistas e artistas de 10 países — incluindo Musa, Elie e Khalid — emprestaram rostos e vozes a vídeos, a fim de incentivar os homossexuais a se defenderem. O projeto No Longer Alone (“Sozinho nunca  mais”) é uma iniciativa da Human Rights Watch (HRW) e da  Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade (AFE).
“Quase todas as nações do Oriente Médio e do Norte da África criminalizam a atividade homossexual consensual, e algumas usam leis vagas, que proíbem a ‘depravação’ e a ‘indecência’. Em várias delas, detenções são comuns. O Egito provavelmente é o pior infrator em termos de perseguição policial ativa contra LGBTs”, afirmou ao Correio Neela Ghoshal, pesquisadora sobre direitos dos LGBTs da HRW. Segundo ela, Omã, Emirados Árabes Unidos e Kuwait prendem transexuais por expressarem sua identidade de gênero. “A AFE, nossa parceira no projeto No Longer Alone, construiu uma rede de organizações LGBTs e de indivíduos em países da região comprometidos com a mudança social. Esses ativistas se apoiam uns nos outros e partilham informações sobre a campanha em suas nações.”

“Doentes”

Ghoshal explica que jovens homossexuais de países árabes e islâmicos se sentem isolados. Muitos nem sequer sabem que existem pessoas como elas. “Nos vídeos que filmamos, os ativistas permitem que os LGBTs entendam que não estão sozinhos, nem são ‘doentes’, e que têm direitos humanos, como todos os seres humanos. As mensagens buscam empoderar essas pessoas e conectá-las a comunidades capazes de apoiá-las”, disse. A expectativa, de acordo com a pesquisadora da HRW, é que moradores da região, principalmente heterossexuais ignorantes em relação aos temas LGBT, assistam aos vídeos e experimentem algum grau de empatia, ao reconhecer que esses indivíduos são merecedores de respeito e de dignidade.
Diretor de comunicações e de advocacia da HRW para o Oriente Médio e o Norte da África, Ahmed Benchemsi, sublinha que algumas leis explicitamente proíbem relações íntimas entre pessoas de mesmo sexo, enquanto outras se referem à homossexualidade como “antinatural”. As restrições à liberdade de associação tornam impossível o registro legal de organizações envolvidas em temas de orientação sexual e identidade de gênero. “O estigma social severo força muitas pessoas a esconderem suas identidades, tornando o ativismo ainda mais difícil. Agora, esses indivíduos estão contando suas histórias, construindo alianças e redes transfronteiriças, desenvolvendo movimentos nacionais e regionais, e encontrando meios criativos de combater a discriminação.”

Conservadorismo

Elie Ballan,  diretor da ONG M-Coalition no Oriente Médio e no Norte da África, conta que a região testemunha crescente conservadorismo. “A política está entrelaçada à religião, e o status social é medido pelo conservadorismo religioso. A isso se acrescenta um sistema patriarcal obcecado com a masculinidade, onde ter pênis é poder, e o conceito de honra está ligado à virgindade da mulher. Assumir o papel da mulher — ser passivo no sexo — é vergonhoso e traz desonra”, disse à reportagem. Por sua vez, Khalid Abdel-Hadi, fundador e diretor criativo da revista My.Kali, em Amã, critica a mídia regional por não humanizar nem personalizar as histórias dos LGBTs. “A mídia reporta ‘histórias escandalosas’, além de publicar reportagens negativas, que se refletem horrivelmente sobre a comunidade LGBT”, lamenta. Ele crê que tais percepções podem mudar por meio da visibilidade e da educação. “É isso que a nossa campanha  faz: humaniza e oferece visibilidade.”
Silêncio rompido
Apesar da repressão patrocinada pelos governos, do estigma social e da opressão religiosa, membros da comunidade de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros (LGBT) no Oriente Médio e no Norte da África  decidiram quebrar o silêncio. Por meio de vídeos filmados em árabe pela Human Rights Watch (HRW) e pela Fundação Árabe pelas Liberdades e pela Igualdade (AFE), eles contaram suas histórias e ofereceram mensagens de apoio e de coragem a homossexuais que vivem na região.

Eu acho…

(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)
“Muitas das leis contra a conduta homossexual na região são um legado colonial. O Reino Unido introduziu tais leis em suas colônias no Golfo Pérsico, e a França introduziu leis de sodomia no Norte da África e no Líbano. Outras leis são mais criações modernas e, em alguns casos, derivam das interpretações seletivas de governos da sharia (lei islâmica). Em todas as partes do mundo, a religião tem sido usada para justificar a negação dos direitos baseados no gênero, na orientação sexual ou na identidade de gênero. Ativista da Fundação pelas Liberdades e pela Igualdade (AFE) e LGBTs no Oriente Médio e no Norte da África buscam mudar as atitudes, ao confrontar a sociedade com sua própria humanidade.
Em muitos casos, usam a arte e as mídias sociais para expressar suas mensagens e envolver a opinião pública.”
 
Neela Ghoshal, 
pesquisadora sobre direitos dos LGBT da Human Rights Watch (HRW)

Depoimentos

(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)
“Eu assumi e as coisas mudaram”
“Enquanto eu crescia, não havia acesso fácil a temas ligados à homossexualidade, incluindo em filmes ou em séries de televisão. Tudo era muito vago, e não sei como me informei sobre isso. Acho que foi por meio de programa de TV ou de alguém pronunciando as palavras ‘gay’ ou ‘homossexual’. Fiz uma busca na internet e me conectei com a definição da palavra. Também me recordo de ficar encolhido de vergonha na aula de religião, quando o professor — que era bonitinho — contava a história de Ló (personagem bíblico que tinha relações com homens). Eu me senti horrível e tentava justificar que era uma boa pessoa. Comentei com uma amiga, que não entendia o significado da palavra ‘gay’, mas me viu tremendo e me abraçou. Assumi e as coisas mudaram.”
Khalid Abdel-Hadi, 28 anos, 
fundador e diretor da revista My.Kali. Mora em Amã (Jordânia)

(foto: Arquivo pessoal)
(foto: Arquivo pessoal)
“Começaram a matar LGBTs”
“Quando era criança, a homossexualidade não parecia algo que eu teria de descobrir. Ela estava dentro de mim. Era uma atração sexual por garotos. Eu me sentia normal em relação a isso. Quando tinha 11 ou 12 anos, era normal beijar um dos colegas na frente de todos. Não ouvia comentários negativos; a sociedade não me tratava como um ser estranho ou bizarro. Eu costumava beijar meninos durante o recreio. Gostei de muitos garotos, em Bagdá. As dificuldades começaram depois da invasão americana, em 2003. Grupos muito religiosos e extremistas passaram a ameaçar as minorias. Eles começaram a matar quem não se adqueava ao seu padrão de comportamento, e isso incluía pessoas da comunidade LGBT.”
Musa Al-Shadeedi, 26 anos, 
estudante de psicologia. Mora em Bagdá (Iraque)
“Pensei que eu fosse caso raro”
“Eu nunca tive problema em saber que era gay. A dificuldade era em saber do que eu era chamado e se havia gente como eu no mundo. Quando era muito jovem, costumava pensar que eu sentia algo por meninos e meninas. Tentei me aproximar de garotas no acampamento de verão, mas sem sucesso. Quando eu tinha 15 anos, um colega me disse a palavra ‘gay’, e eu não tinha ideia do que significava. Pesquisei na enciclopédia, que me levou ao termo ‘homossexual’. Devo ter lido o parágrafo umas cem vezes. Ao descobrir o que ocorria comigo, pensei que fosse caso raro. Na internet, comecei a falar com caras  como eu. Vi que não estava sozinho e que posso sentir atração por homens e não ficar mal por isso.”
Elie Ballan,
32 anos, diretor da M-Coalition no Oriente Médio. Mora em Beirute (Líbano)

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