Langston Hughes, Walt Whitman e James Baldwin eram gays, mas a maioria dos professores passa por cima desse detalhe.
Quando eu era garoto, tive a sorte de aprender sobre a rica história de homens e mulheres que fizeram uma diferença no mundo ao longo dos séculos. Aprendi na escola sobre mulheres notáveis como Sally Ride, Florence Nightingale e Eleanor Roosevelt. Eu morava no condado de Prince George, uma região do Estado do Maryland de população predominantemente negra, e por isso tive a sorte de aprender sobre figuras inspiradoras como Martin Luther King Jr., Malcolm X, Sojourner Truth e muitas outras ainda em meus anos de formação.
Infelizmente, na década de 1990, quando eu cresci, a sociedade americana estava apenas começando a ouvir a mensagem de que ser gay era OK, e por essa razão nenhum de meus professores reconheceu a história LGBTQ. Foi apenas aos 16 anos de idade, trabalhando meio período numa biblioteca pública e fazendo minhas próprias pesquisas, que fui descobrir que grandes escritores como Langston Hughes, Walt Whitman e James Baldwin eram gays. Eu aprendera muito sobre eles nas aulas de inglês, mas acho que meus professores tinham resolvido passar por cima desse detalhe.
As pessoas LGBTQ existiram ao longo da história e fizeram contribuições tremendas à cultura americana, mas ninguém falava delas na escola, e praticamente não havia livros disponíveis sobre as corajosas pessoas queer e trans que abriram caminho para o resto de nós. Se eu tivesse sabido sobre elas, talvez não tivesse sofrido por tantos anos me sentindo alienado, confuso e rejeitando a mim mesmo. Teria aprendido muito antes a amar e abraçar meu verdadeiro eu.
As pessoas LGBTQ existiram ao longo da história e fizeram contribuições tremendas à cultura americana, mas ninguém falava sobre elas na escola.
Mesmo a biblioteca pública onde eu trabalhava tinha apenas uma seleção muito limitada de livros ligados à questão LGBTQ, e esses poucos livros sobre o assunto basicamente não eram claros em relação a como descrever a homossexualidade: é um pecado? É uma escolha? Os homens gays gostariam de ser mulheres? Fico feliz pelo fato de a biblioteca ter tido esses livros, mas na realidade eles não me ajudaram porque eu não era gay: eu era um adolescente bissexual transgênero não binário, e não existíamos no discurso LGBTQ geral naquela época.
Nada nos livros que encontrei sugeria que sexualidade e gênero pudessem ser fluidos e que havia um lugar no mundo para pessoas como eu. É verdade que alguns daqueles primeiros livros com informações básicas sobre LGBTQ mencionavam rapidamente o B e o T, mas a bissexualidade era retratada como sendo apenas metade gay, enquanto transgênero significava apenas mulheres binárias trans. Homens trans nem sequer eram mencionados. Com isso, passei os 13 anos seguintes achando que eu era apenas um homem hétero realmente confuso. Tudo o que eu precisaria seria encontrar uma boa mulher cristã conservadora com quem me casar e daria tudo certo.
Após um relacionamento de seis anos com uma boa mulher cristã conservadora – três anos bons e três anos ruins –, finalmente resolvi pesquisar a bissexualidade na internet e percebi que eu era queer o suficiente para sair do armário. Mas eu ainda tinha dificuldade em validar minha identidade, então abri uma conta no Tumblr e me apresentei a uma comunidade maravilhosa de bissexuais que compartilhavam minhas frustrações. Não apenas eu encontrei validação bissexual através do Tumblr como descobri que não binário era algo que existia e encontrei os heróis históricos LGBTQ que me fizeram tanta falta quando eu era criança e adolescente.
Para começo de conversa, foi apenas alguns poucos anos atrás que fiquei conhecendo uma feminista poliamorista bissexual e fetichista conhecida como Brenda Howard, a “Mãe do Orgulho”, uma das principais organizadoras da Marcha do Dia da Libertação na rua Christopher em Nova York em 1970 – uma das primeiras paradas do orgulho LGBTQ –, e ela propôs a ideia de uma festa de uma semana em torno do Dia do Orgulho, algo que evoluiu e se converteu no Mês do Orgulho, que estamos celebrando agora. Assim, para gays e lésbicas que acham que bissexuais não fazem parte da comunidade LGBTQ, saibam que vocês têm que agradecer a uma bissexual pelo Orgulho.
Outra heroína LGBTQ que eu queria ter conhecido antes foi Leslie Feinberg, que, em entrevista, ampliou a definição da palavra “transgênero” para significar “pessoas que atravessaram as fronteiras das premissas de sexo e gênero que nos são impostas quando nascemos. Podem ser mulheres ou homens transsexuais, mulheres masculinas, homens femininos… Podem ser todo o mundo que não se enquadra no paradigma ‘Ozzie and Harriet’ de sexo e gênero.” Feinberg contestou o binário de gênero, identificando-se como transgênero e como lésbica butch, e usava os pronomes “ze”/”hir” além dos pronomes padronizados “she”/”her”. Se incontáveis jovens não binários como eu tivessem sabido da existência de Feinberg, isso nos teria dado a linguagem tão necessária com a qual nos definirmos.
As coisas estão começando a mudar, felizmente. Em maio o Senado do Illinois aprovou uma lei exigindo que a história lésbica, gay, bissexual e transgênero seja ensinada nas escolas públicas. De acordo com o jornal Columbia Chronicle, o projeto de lei 3249 requer que os currículos escolares incluam aulas que “ensinem as contribuições históricas feitas por pessoas LGBTQ nos EUA e no Illinois e prevê que sejam usados livros didáticos que retratem corretamente a diversidade na sociedade”. A lei aguarda ser aprovada pela Câmara dos Deputados.
Aprender a história LGBTQ ajudaria a desfazer o estigma contra pessoas queer e trans aos olhos de crianças cisgênero e héteros.
É claro que a ideia de ensinar a história LGBTQ a crianças não é bem vista pelos cristãos de direita. Ralph Rivera, da organização conservadora Instituto da Família do Illinois, perguntou ao jornal Chicago Tribune: “Cadê a proteção para estudantes e pais religiosos?” O Chicago Sun-Times respondeu em editorial: “Reconhecer que uma pessoa que teve importância histórica foi gay, lésbica, transgênero ou bissexual não implica em nenhum julgamento de valor, apenas no reconhecimento de que a pessoa existiu e fez uma contribuição. São fatos históricos. Os professores têm a obrigação de relatar a história com precisão. É isso que as escolas devem fazer.”
Não vivo no Illinois, de modo que minha opinião sobre a lei não tem grande importância para os legisladores desse Estado. Mas espero que a lei seja aprovada pela Câmara para que crianças LGBTQ não tenham tanta dificuldade quanto eu tive em aprender sobre sua cultura e saírem do armário. Elas poderão se enxergar em pessoas como Sylvia Rivera, Harvey Milk, Marsha P. Johnson, Feinberg, Howard e incontáveis outras que defenderam seu direito de existir e definir a si mesmas.
Não apenas isso: aprender história LGBTQ ajudaria a desfazer o estigma contra pessoas queer e trans aos olhos de crianças cisgênero e hétero. Do mesmo modo que aprender sobre Sojourner Truth e Frederick Douglass me ajudou a formar minha visão sobre o feminismo e a justiça racial, sendo eu uma pessoa branca, aprender história LGBTQ pode ajudar as crianças hétero e cis de hoje a combater injustiças futuras contra pessoas queer e trans. Em última análise, aulas de história LGBTQ beneficiariam a todos, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero.
De acordo com o Instituto Público de Pesquisas sobre Religião, 7% dos adolescentes entrevistados disseram identificar-se como fazendo parte do espectro LGBTQ. E a expectativa é que cresça o número de jovens que se identificam como LGBTQ. Temos o dever de ensinar a essas crianças sobre uma das culturas em mais rápido crescimento e sobre tudo o que ela tem a oferecer à sociedade. Fico feliz por ter finalmente encontrado uma rica história de heróis LGBTQ que não eram homens e mulheres brancos, cis ou gay, mas ainda assim queria ter sabido da existência deles quando eu era mais jovem e precisava mais desse conhecimento. Esperemos que haverá mais iniciativas como o projeto de lei 3249 do Illinois, permitindo que crianças e adolescentes queer e trans se vejam representadas como figuras históricas importantes e sintam orgulho desde cedo na vida.
Trav Mamone é um escritor bissexual e genderqueer que vive no Estado de Maryland e escreve sobre as intersecções entre justiça social e humanismo secular. Ele apresenta o podcast “Bi Any Means“e é um dos apresentadores do podcast “Biskeptical“.
https://www.huffpostbrasil.com/2018/06/22/eu-queria-ter-aprendido-a-historia-lgbtq-na-escola_a_23465658/