Discurso de agradecimento de Tom Hanks no Oscar inspirou filme

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A fala do ator de ‘Filadélfia’, citando a importância de dois ‘fantásticos gays americanos’ em sua carreira, se tornou tema da comédia ‘Será Que Ele É?’

Bruce Fretts, The New York Times

Você não encontrará muitas pessoas em Hollywood que digam que estão felizes porque Daniel Day-Lewis recusou o projeto, mas isso aconteceu com Filadélfia, o drama sobre a aids ganhador do Oscar, que há 25 anos teve um dos discursos mais memoráveis de aceitação do prêmio na história da academia.

“Nós estávamos fazendo um drama realmente sério, e Daniel traria esse tipo de peso”, lembrou o roteirista do filme, Ron Nyswaner, em uma recente entrevista por telefone. Mas o ator britânico recusou o papel de Andrew Beckett, um advogado gay acometido pela doença, que processa sua empresa por demiti-lo, no drama do diretor Jonathan Demme.

“Então Tom Hanks se apresentou e a genialidade de Jonathan percebeu que Tom traria um toque mais suave e faria o convite para que o público o acompanhasse”, prosseguiu Nyswaner.

O que foi feito. O filme arrecadou mais de US$ 200 milhões em todo o mundo, e Hanks, que conquistou o Oscar de melhor ator em 1994 (o primeiro de seus dois Oscars), agradeceu em prantos à sua esposa Rita Wilson e a seus colegas de trabalho em Filadélfia. Foi quando ele lançou um holofote sobre dois cidadãos particulares.

“Eu não estaria aqui se não fosse por dois homens muito importantes na minha vida”, ele começou e continuou depois, “Rawley Farnsworth, que foi meu professor de teatro do ensino médio, que me ensinou que numa boa atuação está toda a glória”, e um dos meus colegas de classe com Farnsworth, John Gilkerson. Eu mencionei seus nomes porque eles são dois fantásticos gays americanos, dois homens maravilhosos aos quais tive a sorte de estar associado, de atuar sob a inspiração deles sendo tão jovem”.

SAO PAULO CADERNO 2 TOM HANKS Tom Hanks no filme Filadélfia, de Jonathan Demme. FOTO Tristar Pictures

Ele continuou elogiando as vítimas da aids como Gilkerson, um ator e marionetista de São Francisco que morreu em 1989: “As ruas do céu estão lotadas de anjos”.

Nyswaner estava na plateia por ter sido indicado por seu roteiro (ele perdeu para Jane Campion por O Piano) e se lembrou: “Seu discurso foi tão bonito, articulado e comovente, e enquanto ele se desenrolava, as pessoas foram ficando ofegantes. Todos nós estávamos sendo elevados pelo poder de sua fala”.

Steven Spielberg, cuja Lista de Schindler ganhou o prêmio de melhor filme e diretor naquela noite, lembrou que “o discurso foi incrível e de certo modo disse mais sobre o tema do que Filadélfia estava dizendo – e alcançou mais pessoas – do que o próprio filme”.

O discurso teve um efeito diferente para Farnsworth. “Expostos no Oscar!”, dizia a manchete na primeira página do The New York Post. A história real não era assim tão simples: Hanks havia entrado em contato com Farnsworth, com quem ele não falava desde a sua formatura em 1974 na Skyline High School, em Oakland, Califórnia, e pediu permissão para revelar a sexualidade do professor.

Farnsworth garantiu isso. “Eu não me importo de revelar isso ao público agora”, garantiu o aposentado de 69 anos à revista People. “Eu não achava que tivesse algo a perder”, embora tenha acrescentado: “Se eu ainda estivesse exercendo minha profissão, não sei como teria reagido”.

A experiência mudou a vida de Farnsworth. “Tem sido uma conquista da qual me orgulho”, afirmou ele na época. Ele se tornou defensor dos direitos dos homossexuais, trabalhando com uma organização para professores gays, lésbicas e transexuais e participou de um desfile em Atlanta para crianças com HIV.

A história de Farnsworth teve outra consequência imprevista: deu ao roteirista Paul Rudnick a ideia de Será Que Ele É?, uma comédia de 1997 sobre um professor de segundo grau bastante discreto e prestes a se casar (Kevin Kline), que é exposto como gay por seu ex-aluno (Matt Dillon) em um discurso de premiação.

Nyswaner lembrou que o produtor do filme, Scott Rudin, disse que estava fazendo um longa inspirado em Filadélfia. O produtor recordou ter considerado uma ótima ideia. “Bem, na verdade, é inspirado pelo discurso de Tom Hanks no Oscar”, confessou Rudin. “Isso murchou um pouco meu ego”, concluiu Nyswaner.

Ainda assim, como o apresentador da Turner Classic Movies, Dave Karger, destacou em uma entrevista por telefone, “é seguro dizer que esse é o único discurso na história do Oscar a inspirar outro filme”.

Vinte e cinco anos depois, o elenco com um ator hétero como Hanks em um papel gay tão destacado poderia atrair acusações de ter diluído a sexualidade do personagem. Tais críticas atingiram o filme biográfico de Freddie Mercury, Bohemian Rhapsody, estrelado pelo ator hétero Rami Malek, um dos principais candidatos ao Oscar deste ano.

Nyswaner, que é gay, admitiu que os tempos mudaram. “Hoje, nós realmente examinaríamos a questão – estamos conscientes disso”, ressaltou. No entanto, também afirmou que “filmes potencialmente polêmicos precisam de astros para conseguir que sejam feitos. Isso é apenas um fato”.

De qualquer forma, o desempenho de Hanks no filme – e no Oscar – teve uma influência duradoura. “É o tipo de coisa que ajudou a tornar normais os gays e pessoas com aids para o público em geral”, disse Arnold Wayne Jones, autor de The Envelope Please: The Ultimate Academy Awards Trivia Book (O Envelope, por favor: O livro definitivo de trivialidades do prêmio da academia). E acrescentou: “Tais coisas fazem a diferença”.

Ainda fazem. “Passei os últimos 25 anos sendo abordado por pessoas que me falavam: ‘Obrigado, seu filme mudou minha vida’”, comentou Nyswaner, que tem feito roteiros para dramas de TV a cabo nos últimos anos. “Em 2018, no set de Homeland, um assistente de produção do Egito veio até mim e falou: ‘Ei, eu preciso dizer a você que, por assistir a seu filme quando tinha 14 anos, percebi quem eu era’. Então eu sei que Filadélfia afetou positivamente a vida das pessoas.” / TRADUÇÃO DE CLAUDIA BOZZO

 

Cultura.Estadão

 


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